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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A IMPORTÂNCIA DAS ÁREAS VERDES PARA AS CIDADES


 

 

http://www.ufrpe.br/artigo_ver.php?idConteudo=1259

 

POR QUE AS ÁREAS VERDES SÃO TÃO IMPORTANTES PARA UMA CIDADE?

Isabelle Meunier*


O caput do Artigo 225 da Constituição Federal inicia-se com uma declaração fundamental: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Essa frase define de forma sintética o caráter coletivo dos bens e serviços ambientais e coloca-os como um direito das pessoas, a ser defendido pelo poder público e pela coletividade.
Nos socioecossistemas urbanos, onde as condições naturais se encontram quase completamente alteradas e, na maioria das vezes, degradadas, as áreas verdes de diversas categorias representam um recurso precioso para a melhoria da qualidade ambiental. Áreas verdes não significam simplesmente espaços não construídos. Esses são denominados os espaços livres, e não necessariamente verdes. Áreas verdes também não são apenas áreas de solo não impermeabilizado. São sim espaços urbanos não construídos e devidamente protegidos, onde domina o elemento vegetal, notadamente as árvores, de forma a fornecer benefícios ambientais, sócio-culturais e até econômicos a uma cidade. 
Áreas verdes urbanas melhoram as condições microclimáticas, reduzindo os extremos de temperatura, e protegem o solo da impermeabilização, facilitando a infiltração das águas de chuva. Áreas arborizadas controlam a poluição atmosférica, tanto pela retenção de partículas sólidas quanto pela absorção de poluentes gasosos, com o gás carbônico. Não só a saúde física dos freqüentadores das áreas verdes pode ser melhorada com a prática de atividades físicas ao ar livre, como a saúde mental recebe benefícios já comprovados por pesquisas científicas. 
Estudos na França já identificaram a redução no tempo de internamento hospitalar em unidades de saúde com amplas áreas verdes e pesquisas nos EUA comprovaram a redução da violência doméstica graças ao "fortalecimento dos laços comunitários" proporcionados pelas áreas livres arborizadas em conjuntos habitacionais populares.Com uma boa diversidade de plantas que, por sua vez, se encarregam de atrair, proteger e alimentar diferentes animais, as áreas verdes urbanos são espaços privilegiados para a educação ambiental. Mesmo reduzidas e geralmente isoladas, guardam uma riqueza considerável de espécies e processos ecológicos, em plena aridez das grandes cidades.E não só isso: a cidadania ganha com a formação de pessoas que valorizam, respeitam e cuidam dos bens comuns, ao mesmo tempo em que usufruem os seus benefícios. 
A freqüência responsável às áreas verdes urbanas como praças, parques, refúgios e jardins, é uma oportunidade para o exercício de convivência solidária entre pessoas e natureza, para o estreitamento dos vínculos familiares e estabelecimento de novas relações de amizades. A simples contemplação nas áreas verdes possibilita uma experiência estética única, permitindo que se vivencie a harmonia dos elementos naturais, muitas vezes mais bela do que os artificialismos do ambiente construído. E ainda servem como experiência de vida para uma sociedade consumista que pode se surpreender ao gozar de saúde e bem-estar, generosamente ofertados pela natureza. 
A quantidade e o estado de conservação das áreas verdes de uma cidade poderiam muito bem integrar algum índice de desenvolvimento humano e social. A falta delas demonstra o descaso do poder público para com a saúde física e mental dos cidadãos, a falta de visão do futuro, a estreiteza do planejamento. O abandono das áreas verdes, transformando-as em locais de deposição de lixo e concentração de violência, também denota a fraqueza das instituições e a falta de educação, o despreparo e até o desamparo de uma sociedade. Nossas áreas verdes (ou a falta delas) refletem nossas qualidades e mazelas. Por isso a evidente necessidade e oportunidade de se estabelecer um Parque em Boa Viagem ainda gera alguma polêmica, apesar de encontrar amplo respaldo entre a população. 
A população sabe ser necessário contar com uma área verde para humanizar o convívio e melhorar as condições ambientais do bairro e ensaia uma mobilização. Por outro lado, alguns argumentos contrários parecem se delinear, sem dúvida inspirados pelo alto valor do metro quadrado na área, refletindo nossa dificuldade em priorizar o coletivo em detrimento do privado. A questão é, no fundo, moral: Criar e implementar efetivamente uma nova área verde, nessa cidade onde elas são tão raras quanto necessárias, é se comprometer com interesse coletivo, dessas e de futuras gerações, que têm direito a uma cidade habitável. 
Desconsiderar esse direito, privilegiando o interesses de alguns, é ética e ambientalmente reprovável, pois ignora a importância desses locais como bem de uso comum do povo, necessários à manutenção da qualidade de vida.Recife precisa dessa e de mais áreas verdes. Tanto quanto precisa de mais segurança, mais escolas, mais empregos e mais habitação. Todos esses são elementos para uma melhor qualidade de vida urbana e defender o meio ambiente como um direito comum não deve ser apenas uma iniciativa de militantes, mas uma obrigação do governo e da sociedade.

* Professora do Curso de Engenharia Florestal da UFRPE

Recebido do Movimento Resgate Cambuí
Foto: Vera

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O PÓ DE FADAS DA AMAZÔNIA

 

O pó de fadas da Amazônia
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Antonio Nobre, revela os cinco segredos da floresta amazônica e alerta sobre o perigo de seu desmatamento
Descrição: http://ep01.epimg.net/elpais/imagenes/2014/08/14/planeta_futuro/1408010925_555437_1408642980_noticia_normal.jpg
O cientista brasileiro Antonio Nobre. / PABLO CORREA
Ele foi o primeiro a falar no III Encontro Panamazônico realizado em Lima, nos dias 6 e 7 de agosto. Tem um discurso apaixonado e uma qualidade um tanto rara para um cientista: sabe combinar dados com histórias, explicação com emoção. Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), conta nesta conversa qual é a mágica da Amazônia, em que consistem seus segredos e por que as mudanças climáticas e o desmatamento a ameaçam seriamente...
- Já estamos no ‘Dia depois de amanhã’ das mudanças climáticas? Estamos em uma situação bastante grave. A ponto de a comunidade científica, que não costuma concordar entre si, ter formado um bloco com uma convicção homogênea sobre o assunto. As mudanças climáticas não são mais só uma projeção.
- E como essa situação de gravidade se manifesta na Amazônia?No desmatamento, que remove a capacidade de a floresta se manter. Ela conseguiu se manter por milhões de anos, em condições adversas. Mas hoje sua capacidade está reduzida. Antes havia duas estações na Amazônia, a úmida e a mais úmida.
- Que eram facilmente reconhecíveis. Agora temos uma estação úmida moderada e uma estação seca. E a seca tem um efeito muito perverso. Porque quando não chove as árvores se tornam inflamáveis. O fogo entra e já não existe mais uma floresta tropical.
Os jatos verticais e o pó de fadas
- Apesar de tudo, a Amazônia ainda guarda cinco segredos. É algo que os povos indígenas sempre souberam e que a nossa civilização não percebeu. Mas, nos últimos 30 anos, a Ciência revelou esses cinco segredos. O primeiro é como a floresta Amazônia mantém a atmosfera úmida mesmo estando a 3.000 quilômetros do oceano...
- ...E fazer com a que a chuva chegue até a Patagônia. E aos Andes, por 3.000 ou quase 4.000 quilômetros. Outras partes do mundo que estão longe do oceano, como o deserto do Saara, não recebem água. Mas na América do Sul não há esse problema, e isso se deve ao primeiro segredo: os jatos de água verticais.
- E qual é o segredo desse segredo? É que as árvores da Amazônia são bombas que lançam no ar 1.000 litros de água por dia. Elas a retiram do solo, a evaporam e a transferem para a atmosfera. A floresta amazônica inteira coloca 20 bilhões de toneladas de água na atmosfera a cada dia. O rio Amazonas, o mais volumoso do mundo, joga no Atlântico 17 bilhões de toneladas de água doce no mesmo intervalo de tempo.
- É incrível. Como isso foi descoberto? Fazendo medições. Com torres de estudo, com satélites que detectavam esse transporte de vapor d’água, que é um vapor invisível.
- Produzido pelas árvores quase que por magia. A magia vem no segundo segredo. Como é possível que caia tanta chuva, se o ar da Amazônia é tão limpo, já que o tapete verde cobre o solo? O oceano também ter um ar limpo, mas não chove muito sobre ele. Nós, cientistas, desvendamos um mistério.
- Qual? Para formar uma nuvem de chuva, que são gotas de água em suspensão, é preciso transformar o vapor baixando a temperatura. Mas se você não tem uma superfície de partículas, sólida ou líquida, para gerar essas nuvens, o processo não começa.
“A floresta amazônica coloca 20.000 milhões de toneladas de água na atmosfera por dia”
- Então o que é que a floresta faz?Produz o que chamamos de pó de fadas. São gases que saem das árvores e que se oxidam na atmosfera úmida para precipitar um pó finíssimo que é muito eficiente para formar chuva.
- Parece uma fábula. É que a floresta manipula a atmosfera constantemente e produz chuvas para si própria, uma coisa quase mágica. Os gases saem das árvores. São como perfumes e se volatilizam.
- Uma espécie de grande fragrância sustentável. É um oceano verde, diferente do azul. O azul não tem esse mecanismo porque carece de árvores. Tem as algas, que produzem um pouco, mas não como o verde.
A bomba natural e os rios voadores
- Vamos ao terceiro segredo. Vamos. Na Amazônia, o ar que vem do hemisfério norte cruza do Equador, entra e vai até a Patagônia. Até lá chega esse ar úmido, que vem do Atlântico equatorial.
- Com os ventos alísios. Sim, com os ventos alísios que trouxeram as caravelas dos europeus, há 500 anos. Mas os alísios do oceano sul sopram para o norte. O que faz esses ventos irem contra a tendência de circulação global? Dois físicos russos com quem eu colaboro responderam a essa pergunta ao estudar o efeito do vapor dos jorros verticais amazônicos.
- Mais uma vez os jatos verticais. Eles descobriram que, pela física fundamental dos gases, essas condensações de vapor puxam o ar dos oceanos para dentro do continente e criam uma espécie de buraco de água. É como uma bomba natural. A floresta traz sua própria umidade do oceano.
“Onde há florestas não há seca, nem excesso de água, nem furacões, nem tornados. É como uma apólice de seguros”
- E ainda tem mais... O quarto segredo é a transferência dessa umidade amazônica para outras regiões: os Andes no Peru, os páramos da Colômbia... Se você olhar o mapa do mundo, vai descobrir que existe um cinturão úmido que passa pelo Equador, pela África e pelo sudeste asiático.
- É a linha do Equador. Sim, mas é na linha dos trópicos, o de Câncer ao norte e o de Capricórnio, ao sul, que estão todos os desertos. O do Atacama, no Chile, o da Namíbia, na África. Mas essa área que concentra 70% do PIB da América do Sul - que vai de Cuiabá a Buenos Aires, de São Paulo aos Andes – é úmida! Apesar de estar na linha dos desertos.
- E qual o mistério dessa área? Chama-se rios voadores. É uma grande massa de ar úmido bombeada pela Amazônia contra os Andes, que são uma parede de mais de 6.000 metros de altura. É assim que essa massa chega a áreas onde deveria haver deserto. Por isso chove na Bolívia e no Paraguai.
- Falta, finalmente, o quinto segredo. O quinto segredo é que, se você colocar em um gráfico todos os furacões que já aconteceram na história – e a NASA já fez isso – na região das florestas equatoriais não há nenhum deles. E essa região é a que tem mais energia porque a radiação solar é muito intensa.
“O sistema terrestre é um organismo e está muito doente"
- Deveria haver ciclones, como na Índia e no Paquistão. Eles não existem porque o topo da floresta, onde estão as copas das árvores, é áspero e faz com que os ventos sejam obrigados a dissipar sua energia, o que acalma a atmosfera.
- Mas ocorrem tempestades. Claro, mas elas não costumam ser destruidoras. Onde há florestas não há secas, nem excesso de água, nem furacões, nem tornados. É como uma apólice de seguros contra os fenômenos atmosféricos extremos.
A guerra contra a ignorância
- Agora esses cinco segredos estão em risco... O problema se chama desmatamento. Se tirarem a metade do fígado de um bêbado, vai ser difícil para ele lidar com o álcool. É isso o que está acontecendo com a Amazônia. Estamos retirando um órgão do sistema terrestre.
- Então a Amazônia não é o pulmão, mas sim o fígado do planeta?É o pulmão, o fígado, o coração... É tudo! Essa bomba natural da qual falei é um coração que pulsa constantemente. O pó de fadas também funciona como uma vassoura química contra substâncias poluentes, como o óxido de enxofre. O melhor ar é o da Amazônia.
- E, apesar disso, continuamos destruindo a floresta. Se você chega com uma motosserra, com um trator ou com fogo, a Amazônia não pode se defender. As intervenções do homem podem ser benéficas, como na medicina, mas também terríveis, como a motosserra. Por isso eu proponho um esforço de guerra.
- No que consistiria esse esforço? Seria uma concentração de forças para resolver um problema que ameaça tudo. Hoje a ciência nos permite saber que a situação é gravíssima. E o que eu proponho é lutar contra a ignorância, o principal motivo da destruição da floresta amazônica.
- Parece que as prioridades mundiais são outras. Em 2008, os bancos foram salvos em 15 dias. Foram gastos trilhões de dólares nisso. A crise financeira não é nada comparada à crise ambiental.
“A ciência hoje nos permite saber que a situação é gravíssima. Temos que lutar contra a ignorância”
- O que está acontecendo? Estamos embriagados com a civilização? É uma embriaguez primitiva. Quando você vai ao médico e ele diz que você tem uma doença em estágio avançado, o que você faz? Continua fumando? O sistema terrestre é um organismo e está muito doente. A parte contaminante é a parte mais degenerada do ser humano.
- Podemos curar a Amazônia dessa doença? Eu acredito que se tivermos uma capacidade semelhante à que tivemos para salvar os bancos, sim. Porque a floresta tem um poder de regeneração impressionante.
- E, além disso, ela deveria ser importante para todo o mundo. A atmosfera tem uma coisa chamada teleconexões. Um modelo climático pode demonstrar que as mudanças na Amazônia vão afetar os ciclones na Indonésia.
- Então, o maior segredo é acordar... E saber que o que fazemos agora é determinante. As gerações posteriores vão sofrer com as más escolhas de hoje. A geração que está na Terra hoje tem nas mãos os comandos de um trem que pode ir para o abismo ou uma oportunidade para se viver muito mais.


Recebido por e-mail de Croquis Moldura/Resgate Cambuí