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terça-feira, 13 de dezembro de 2016



Luiz Fernando Praga

Tenho uma filha pequena que, justo agora, infortúnio, perguntou-me o que é a “justiça”.

Fiquei constrangido, mas arrisquei.

“A “justiça”, filha é um produto que se compra aos pouquinhos e jamais se consegue inteira. Você precisa ter muito dinheiro, ser uma bilionária mesmo para atingir os meandros mais ocultos da “justiça”, porque até os milionários têm menos acesso à “justiça” que os bilionários. Nós, os pobres, só podemos ter uns pedacinhos dela, ficamos com as migalhas dos direitos que não servem para os ricos.

Vou dar exemplos:

A “justiça” é aquela instituição que nos obriga a votar, depois anula nosso voto, diz que era mentirinha e coloca cargo quem ela gosta mais.

A “justiça”, filha, é o poder que promove a superlotação de presídios com seres humanos, em regra pretos e pobres, pessoas como nós, filha, nem um pouco diferentes, só que em situação desumana.

A “justiça” é aquela instituição que premia, com os maiores privilégios, aqueles que já nascem com muitos privilégios.

A “justiça” é aquela instituição que permite a um juiz dar voz de prisão aos atendentes da companhia aérea porque ele chegou atrasado para o embarque, permite ao juiz passear com carro esportivo confiscado do réu e prender agente de trânsito que ousa dizer que juiz não é deus.

A “justiça” é a instituição cujos representantes são os abnegados mantenedores das leis, que ganham os maiores salários da república e servem pra prender quem não tem dinheiro pra pagar advogados e, por outro lado, garantir a Inocência dos mais ricos.

A “justiça” é aquela instituição idônea do Gilmar Mendes, do Levandowski, do Moro, que persegue e difama por “convicção”, faz vistas grossas quando tem provas e toma decisões sempre imparciais e apartidárias segundo a globo.

Ela, porém, não é privilégio do Brasil, filha. Nossa “justiça” copia modelos clássicos, como aquele que crucificou Jesus Cristo, os que encarceraram Pepe Mujica e Nelson Mandela, como o sistema que mata 1 inocente a cada 25 condenados à morte, porque, claro, a vida é um detalhe desprezível para a “justiça”: ela não gosta de vida, gosta de poder e dinheiro.

A “justiça” é essa produção hollywoodiana que custa bilhões aos bolsos do contribuinte, amparada pela mídia e cheia de holofotes que nos vicia a acreditar em qualquer ficção como sendo a verdade.

Ela é esse poder que nos tem a todos em suas mãos, apenas para garantir que nenhum de nós, criminosos até que se prove o contrário, possa dar um rumo diferente aos planos da “justiça”.”

Então, como não quero que minha filha amada (como devem ser amados todos os filhos que não são meus) cresça com este triste conceito assombrando seu futuro, achei importante ampliar a explicação.

“Já a JUSTIÇA, minha filha, ela só se manifesta quando se ouve a voz do oprimido, pois ela tem sempre a dizer as verdades que a voz do opressor não quer que ninguém saiba.

A JUSTIÇA está nas mãos que acolhem os pobres, as minorias, os mais velhos, os doentes e as crianças, jamais nas mãos hipócritas que condenam por interesse e vaidade. Juízes não são deuses, filha, mas não espalha… ou melhor, pode espalhar!

A JUSTIÇA não está nas instituições nem nos templos, a JUSTIÇA está incubada na consciência de cada ser humano, mas a justiça hipócrita da sociedade proíbe que ativemos a JUSTIÇA natural que há em nós.

ELA não depende dos homens da “justiça”. Depende de crianças pensantes que aprendam a responsabilidade sobre seus atos. Depende de pais que eduquem para o amor e de escolas que formem cidadãos. Mesmo se algum pai transmitir a seu filho um conceito muito distorcido de JUSTIÇA, no mundo JUSTO, ninguém terá o poder de institucionalizar essa “justiça” tosca e errada como está institucionalizada hoje.

A JUSTIÇA, filha, não está em mudar de mãos este poder que nos oprime, a JUSTIÇA está em abrir mão desse poder canceroso.

A JUSTIÇA depende da insubordinação de cada ser humano a esta outra “justiça” de laboratório, fria, corrupta, podre, tendenciosa, gananciosa, criada e desenvolvida com os piores interesses, para manter livre e poderosa toda a injustiça vigente.

A “justiça” enxerga muito bem, cegos estamos nós, mas só por mais algum tempo, filha.

A “justiça” cega, a LIBERDADE muda!”

Do blog Coluna Flexível
Por Luiz Fernando Praga