Déficit verdeA falta da consciência da população e de ação dos órgãos públicos geram déficit de arborização urbana
Convidada a participar do plantio do movimento ‘Tá com Calor? Plante Árvores’, no Ribeirão Verde, Edna Costa incentivou a neta Sabrina a acompanhá-la e, juntas, plantaram uma muda de amoreira na calçada em frente à sua casa. “Ela ajudou a tirar a terra para fazer o berço, eu tirei o plástico da muda, juntas cobrimos com terra e ela cuidou da água. Agora, sente-se responsável pela árvore e, quando sai, despede-se como se fosse uma pessoa. Plantamos em 11 de dezembro e me propus a fotografar a árvore e a Sabrina lado a lado, todos os meses, para acompanharmos o crescimento”, conta a avó.
A ação repercutiu na internet e Sabrina virou símbolo da campanha de arborização, iniciada no final de 2012 pela Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil. Primeira criança a participar do movimento, a menina de sete anos serve de exemplo. Explicita como o analfabetismo ecológico — tal qual o político, enunciado por Bertolt Brecht — produz efeitos colaterais indesejáveis, compartilhados pela coletividade, que poderiam ser evitados com apenas um pouco de algo em falta na sociedade contemporânea: envolvimento. “Precisamos nos sentir responsáveis pela arborização de nossa cidade, por motivos óbvios, como beleza, frescor e qualidade de vida. Além disso, o plantio é um aprendizado, no sentido da convivência e do respeito à natureza, pois quem planta uma muda passa a olhar as árvores de outra forma”, argumenta Edna.
A cultura predominante de que árvores podem cair e causar prejuízos, de que as folhas sujam quintais e de que as raízes quebram calçadas tem efeito devastador sobre a qualidade de vida da população. Calor excessivo, poluição atmosférica, doenças respiratórias, déficit de indicadores ambientais e morbidade são palavras-chave neste contexto (embora muitas vezes dissociadas dele).
Árvores são indispensáveis à manutenção da vida, tanto quanto água e luz, e esse é um entendimento urgente. Entre os benefícios gerados por elas estão o aumento da umidade, devido à evapotranspiração foliar; a melhoria do solo; a diminuição do impacto da água da chuva; a oxigenação do ar; a redução de ruídos e da poluição do ar; a contribuição para manutenção da fauna; a diminuição da sensação térmica em função da sombra e a criação de espaços de socialização.
Cidadania
Há belas histórias a serem contadas de pessoas fazendo a diferença no sentido de arborizar Ribeirão Preto, sozinhas ou em grupos. Entre elas, a dos vizinhos e amigos José Abbari Filho, de 84 anos, e Luiz Carlos Ferreira Gomes, de 70 anos, que transformaram o canteiro público, de 200 x 70 metros de puro mato em frente às suas casas, em uma bem cuidada área verde, repleta de árvores frutíferas.
Há nove anos, os aposentados trabalham quase diariamente na manutenção do local, sem qualquer apoio do poder público ou dos demais moradores. Hoje são mais de 250 árvores plantadas, a maioria a partir de sementes que trouxeram de viagens ou ganharam de conhecidos. São dois dias de trabalho para cortar a grama, um dia para rastelar, outro para recolher tudo. Eles ainda encontram tempo para pintar os troncos e a sarjeta de branco. “Tem hora que dá vontade de abandonar tudo. Não temos apoio e ainda tem gente que vem destruir. Mas é bem em frente à minha casa, como não vou cuidar?”, diz Luiz Carlos.
Este é o tipo de consciência que está em falta: a do cuidado com a frente da casa, com o bairro, com a cidade onde se vive. Nasce, assim, a dificuldade de viabilizar o que determinam o Código Municipal do Meio Ambiente (2004) e o Plano Diretor de Arborização Urbana (2009). “O Plano Diretor de Arborização da cidade foi muito bem concebido por técnicos da Secretária do Meio Ambiente, mas não saiu do papel. Ele faz o mapeamento da cidade, mostrando onde faltam árvores, como no Jardim Jandaia, por exemplo, e ainda determina como plantar, quais árvores plantar e até como fazer a poda, o que resolveria a resistência dos comerciantes em ter árvores por causa das fachadas. Só falta dar poder à Secretaria do Meio Ambiente para colocá-lo em prática”, avalia o presidente da Comissão Permanente de Meio Ambiente da Câmara Municipal, Marcos Papa (PV).
Tá com calor? Plante Árvores
Uma iniciativa coletiva, iniciada pelos ambientalistas e militantes Reinaldo Romero e João Tavares, da Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil, e denominada “Tá com Calor? Plante Árvores”, já efetuou o plantio de mais de 900 mudas pela cidade nos últimos meses. “Ao longo dos quase 25 anos da Pau Brasil, realizamos várias campanhas, mas idealizamos esta por sentir falta de um programa de arborização sério e contínuo”, explica Romero.
Em janeiro, o movimento lançou uma petição pública exigindo da Prefeitura de Ribeirão Preto o cumprimento do Plano Diretor de Arborização Urbana. Para o ambientalista, o poder público não estimula o cidadão a plantar árvores, pois o Horto Florestal só libera três mudas por pessoa. “O viveiro, construído em 1994 para produzir 600 mil mudas ao ano, hoje tem um estoque aproximado de 70 mil mudas. Após 19 anos, a cidade cresceu e chegamos a 600 mil habitantes, aumentando a demanda, mas a administração não acompanhou este ritmo. Muitas áreas destinadas a serem praças, áreas verdes e parques, como a Pedreira da USP, a Cidade da Criança, o Augusto Rusck e o Rubens Cione, se já estivessem implantadas, amenizariam o clima e contribuiriam com a saúde da população, além de proporcionar lazer e recreação. Mas infelizmente, não saíram do papel”, lamenta Romero.
Zonas de calor
A proposta do movimento de arborizar para reduzir o calor não poderia ser melhor. A questão da distribuição das árvores na cidade, no entanto, precisa ser observada. Segundo um estudo feito a pedido da Prefeitura, para o engenheiro agrônomo Demóstenes Ferreira da Silva Filho, professor da Universidade de São Paulo (ESALQ), de Piracicaba, a cidade possui dez áreas críticas onde a cobertura arbórea não ultrapassa 13%. São Campos Elíseos, Centro, Distrito Empresarial, Jardim Heitor Rigon, Jardim Manoel Penna, Ipiranga, Planalto Verde, Sumarezinho, Vila Seixas e Vila Tibério.
O monitoramento foi feito por sensoriamento remoto (satélite) e revelou que a cidade possui 41m² de copa arbórea por habitante, excluídas áreas de maciços florestais, como o Bosque, a Mata de Santa Tereza e o Campus da USP. Das 45 regiões pesquisadas, apenas 20 tem um bom índice, chegando a 56% de cobertura arbórea. Outras 15 tem índice de até 17% e 10 regiões de 24%. “O índice não é ruim, a cidade está melhor do que outras do estado. O problema é a distribuição. O ideal seria Ribeirão Preto ter 40% de cobertura em todos os bairros, por ser uma cidade muito quente. O asfalto é o grande responsável pelo calor, pois esquenta rápido e demora para esfriar, por isso, a cidade precisa de uma meta para sombrear as ruas. Tanto do ponto de vista da qualidade de vida da população quanto da economia de energia, o benefício do plantio de árvores para sombrear as ruas será maior do que se forem semeadas em quintais ou praças”, explica Demóstenes.
Ação pública
O impacto negativo da ausência de uma política ambiental em Ribeirão Preto, que englobe a questão da arborização com a seriedade que ela exige, é evidente. A despeito disso, não se nota movimentação concreta do legislativo ou do executivo, senão para dar andamento a soluções paliativas que garantam certificação no programa do governo do estado ‘Município Verde Azul’.
Ocupando a 95ª posição no programa, com 83,60 pontos, a cidade está abaixo da meta de arborização proposta pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, de 100 m² de copa arbórea por habitante. Na corrida pela pontuação no programa, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente criou, em 2009, o programa “Vamos Arborizar Ribeirão” que, segundo dados oficiais, realizou o plantio de 12.897 mudas de árvores na zona leste, 1.637 na zona norte e outras 50 mudas na zona sul.
Em 2013, a meta do programa é plantar 10 mil árvores nas calçadas de Ribeirão Preto, iniciando pelo Quadrilátero Central, considerado crítico. As notícias, no entanto, são de que a Prefeitura tem encontrado bastante resistência da população.
Marcelo Pereira de Souza, ambientalista e professor da Universidade de São Paulo, acha a ação pública inócua. “O verde em Ribeirão Preto é absolutamente discurso. A cidade não tem política de arborização, apenas ações isoladas onde a maioria das mudas morre por falta de cuidado. O discurso da Prefeitura é sempre o mesmo. Não existe um trabalho em conjunto, não existe planejamento, não há política, apenas discurso. Há uma visão utilitarista do meio ambiente predominante, não é prerrogativa de Ribeirão Preto preservá-lo”, enfatiza Souza.
Até o fechamento desta edição, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente não forneceu informações sobre a questão da arborização na cidade.
Árvores nas avenidas
A título de curiosidade, a reportagem realizou uma contagem das árvores em canteiros de algumas das principais avenidas de Ribeirão Preto. O dado não é preciso, mas revelador. Avenidas mais antigas como a Nove de Julho e a Treze de Maio, por exemplo, demonstram elevada percepção de harmonia com a natureza por parte de seus idealizadores. Possuem árvores da mesma espécie plantadas e com espaçamento igualado entre elas. São avenidas muito bonitas. Na avenida Francisco Junqueira, por outro lado, não ouve preocupação estética, mas a quantidade de árvores plantadas em seus 3,2 km (mais de 700) representa um bom exemplo a ser seguido. O que não se pode dizer da avenida Independência que, em quase 3 km no sentido rodovia/centro, conta com apenas 178 árvores. No total, a avenida de 5,1 km possui aproximadamente 248 árvores (adultas). No trecho mais antigo, entre as avenidas Nove de Julho e Francisco Junqueira, se nota uma maior preocupação com a seleção de espécie e espaçamento. Do lado oposto, entre as avenidas Nove de Julho e a João Fiúsa principalmente, o que se vê é descaso. Mato alto e a maioria das árvores podadas ao meio por causa da fiação elétrica. Apesar de sua importância para a cidade, a avenida perde em beleza e quantidade de árvores para a avenida Mogiana, que com cerca 2, 2 km soma quase o mesmo número (220 árvores) e ainda possui muita área a ser plantada.
Bom Exemplo
No perímetro urbano de Ribeirão Preto, um exemplo de política de arborização bem-sucedida está no Campus da USP, onde, para cada árvore extraída mediante aprovação da Comissão de Meio Ambiente da USP, outras 25 são plantadas. A Seção de Parques e Jardins e Serviço de Áreas Verdes e Meio Ambiente da Prefeitura do Campus (PUSPRP) iniciou, no final de janeiro, o plantio de 10 mil mudas de espécies florestais nativas da região, para compensação das extrações de árvores realizadas em áreas do campus durante de 2010 a 2012 e também para reposição de parte dos danos causados pelas queimadas de agosto de 2011, que destruíram vasta área da floresta e cerca de 44 mil mudas do banco genético da USP.
Mau exemploTambém no perímetro urbano de Ribeirão Preto, um exemplo da falta de política de arborização está no Parque Roberto de Melllo Genaro (Parque da Caramuru) onde a falta de sombra prejudica seu uso por parte da população. Construído numa área de 10.219 m², o Parque possui equipamentos para ginástica, playground, pista para caminhada e ciclovia, além de bancos de madeira por toda sua extensão. Uma mina natural e um pequeno lago completam o cenário. Logo na entrada, pela avenida Caramuru, uma enorme árvore recebe os visitantes e oferece bastante sombra, mas não existem bancos em volta. Na opinião dos usuários, fica difícil frequentar o local entre 9h e 17h por causa do sol, ainda mais com crianças.
Texto: Yara Racy
Fotos: Júlio Sian, Ibraim Leão e arquivo USP
Diagramação: Lucas Chaibub
Agradecimento: Baby Center
* Publicado em 07/03/2013Fotos: Júlio Sian, Ibraim Leão e arquivo USP
Diagramação: Lucas Chaibub
Agradecimento: Baby Center
Recebido por e-mail do Movimento Resgato Cambuí
Nenhum comentário:
Postar um comentário