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terça-feira, 2 de agosto de 2016

MOÇA, SEU CLITÓRIS É PODER

Palmira Margarida 

: Notas Perfumadas
Hoje, o papo vai ser reto: constata-se que muita gente não gosta de clitóris 
e me parece que essa história é antiga. Tem mulher que tem vergonha, 
tem moça doida para mexer nele, mas sente culpa, outras nunca olharam 
lá e devem estar lendo este artigo com sobrancelhas arqueadas. 
Miga, não fica chocada comigo e muito menos contigo, caso nunca tenha 
trocado um papo reto com a sua vulva. A culpa não é sua. A sociedade 
nos educa para odiarmos os nossos corpos femininos e para termos 
vergonha de nossos mamilos, vaginas, dobrinhas, curvas, enfim, tudo! 
Ser mulher é uma vergonha, né? Falar de “pepeka” nem pensar, 
o clitóris, então, é a blasfêmia. A zoeira histórica e científica com 
nossos corpos de fêmeas foi tanta que hoje, em pleno século XXI, 
a gente ainda fica cheia de pudor para tocar nesse assunto, 
literalmente! A mulher é ensinada a não ter contato com o próprio 
corpo. A   (nome da caixa de Pandora onde estão guardados todos 
os males do mundo) é o portal para fora do paraíso e o clitóris, 
um aparato de conexão com as forças do mal. Este panorama foi 
estruturado, por um lado, por instituições religiosas, por outro, 
pela ciência. A primeira, que atinando para o prazer feminino 
como forma de poder, tacha a mulher dotada de autonomia sobre 
o próprio corpo como um ser bestial. A segunda, impregnada de 
misoginia desde seu início, não via como importante um órgão que 
servia apenas para conceder prazer à mulher, relegando-o às páginas 
de anatomia e omitindo-o dos círculos de temas importantes, sempre 
tratando nosso órgão do prazer (hoje, eu prefiro nomeá-lo “órgão 
da saúde”) como um apêndice ou algo menos, afinal, apêndice ainda 
serve para dar apendicite, enquanto clitóris não serve para nada, né?! 
Bom, moça, tempo passou e todas nós continuamos nascendo com 
clitóris, esse órgão que “não serve para nada”. Alto lá! Não serve 
para quem? Para você serve e muito, tenha certeza! No entanto, 
tem homem que não gosta, que não sabe para que serve, muito 
menos qual a importância dele. Na verdade, eles nem sabem onde 
fica o tal ser diabólico, amoral e tentador, esse tal de clitóris. 
Alguns que sabem fazem questão de mutilar algumas de nós, 
com pedaços de vidro ou um metal qualquer que catou-se no chão*. 
Muitas meninas morrem quando têm seus clitóris arrancados e 
não estou falando de morte física (apesar de muitas morrerem no 
processo), mas de morte da alma e da dignidade. Outras, têm seus 
clitóris diminuídos, através de cirurgias reparadoras, agora não 
por uma instituição religiosa, mas pela ciência médica que, pasme, 
se acha no direito de ditar o que é um clitóris normal ou não. 
Bem, moças, pelo que eu saiba existem pintos pequenos, grandes, 
muito grandes, micropênis e nunca ouvi falar de um médico que 
tenha impelido seu paciente a cortar metade do pênis porque 
era grande demais. E aos que dizem que a internet está cheia de 
sites com truques mágicos para aumentar um pênis pequeno, 
atenção, não se trata de uma medicina invasiva dizendo que um 
órgão de seu corpo é anormal e inaceitável para viver em 
sociedade, e sim, entende-se, apenas, ser ego de macho. No rastro 
da história, o clitóris sempre foi coadjuvante no filme da vida! 
Talvez, uma única vez ele quase tenha chegado ao papel 
principal. Foi na Grécia antiga, quando Hipócrates achou 
que o clitóris fabricava um tipo de esperma, assim como o 
pênis, fundamental para a mulher engravidar. Ou seja, para 
ficarmos grávidas, precisaríamos ter orgasmos a fim de que tal 
esperma fosse liberado pelo clitóris. O tempo passou, a Idade 
Média fez vista grossa, afinal, as bestas precisavam de orgasmos 
para procriar, então, tudo bem, pelo menos serve para isso! Mas, 
ainda entendendo a mulher como um ser demoníaco, egoísta e que 
precisava ter prazer a qualquer custo. Entenda, o prazer da mulher 
por ela mesma não estava liberado, era permitido apenas para a 
reprodução (para liberar o tal esperma feminino) e masturbar-se 
era pecado. A primeira pessoa no mundo ocidental que escreveu 
sobre clitóris foi o anatomista Ronaldo Columbus (no século XVI) 
e chamou o órgão de “cidade do amor”. Antes e depois dele, 
alguns outros homens comentaram sobre a genitália da mulher, 
porém sempre comparando nossos corpos com os masculinos e 
sustentando a ideia de que nossa vulva era um “pênis triste”, um 
órgão masculino incompleto, defeituoso ou inferior. É por essas e 
outras que, para descontrair, gosto de falar “A clitóris”, mesmo 
sabendo que o certo é “O clitóris”, sujeitando a palavra ao órgão. 
Mas minha vulva é meio anarquista, então, gosto de falar 
“minha clitóris” e não “meu clitóris”. 
Entre os séculos XIX e XX (século XX, minas, tipo, ontem!) 
clitóris ainda era tímido na Gray’s Anatomy e o que corroborou 
muito para isto foi o médico Van Beneden descobrir, em 1875, 
que gravidez nada tinha a ver com prazer da mulher. Ou seja, 
se o clitóris não era mais útil à reprodução, então não era mais 
necessário falar sobre ele. Aliás, um tal Dr Baker Brown, em 
Londres, apresentou à sociedade, a hipótese de mulheres serem 
‘’nervosas e histéricas’’ por culpa do clitóris, portanto, o mesmo 
deveria ser cortado, prática que perdurou até a década de 1920. 
Então, imagina a cena: a mulher emite uma opinião qualquer 
em casa, o marido leva ao médico e diz  “doutor, essa mulher 
está histérica” e o médico responde “ok, vamos cortar o clitóris 
dela e logo ela ficará calminha’’. 
Precisou passar todo o século XX para uma anatomista mulher 
indignar-se, claro, resolver colocar a mão no clitóris e 
desvendá-lo. Hellen O’Connell descobriu que o órgão pode chegar 
até oito centímetros, que apresenta o dobro de terminações 
nervosas de um pênis e, o melhor, ele está associado a todo o 
organismo feminino. Ou seja, se esse pequeno órgão faz ligação 
com todo o nosso corpo, isso significa que o prazer proporcionado 
por ele interfere, positivamente, em nossa saúde física, mental 
e emocional. É melhor que Rivotril! Por isso, iniciei essa trilogia 
com o tema masturbação feminina, já que algumas cientistas 
começam a apontar essa prática como um hábito saudável 
para todas nós. Moça, seu clitóris tem poder! No próximo e 
último artigo da Trilogia do Clitóris, veremos os benefícios 
da masturbação autônoma feminina, além de práticas atuais 
sobre o tema, desenvolvidas por mulheres ao redor do mundo.
*A prática da retirada do clitóris, apesar de ser considerada 
um ato contra a dignidade da pessoa humana, ainda é 
praticada em algumas partes do mundo por questões religiosas
ou estéticas.
Palmira Margarida é historiadora e atualmente é doutoranda na UFRJ. 
Pesquisa sobre neurociências, os cheiros e  as emoções. Estuda 
também neurobiologia das plantas e é a pisciana mais ariana de que se 
tem conhecimento. Descende de italianos e adora uma massa, 
mas fala sem gesticular. Ama viajar e captar os aromas das trilhas, 
das culturas e das ideias. Está em busca do profundo perfume do Ser. 
Escreve neste espaço às quintas-feiras. Para informações sobre 
seu trabalho com aromas na Casa Alquímica, entre em contato 
pelo e-mail:palmira.margarida@revistavertigem.com

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