Palmira Margarida
: Notas Perfumadas
Hoje, o papo vai ser reto: constata-se que muita gente não gosta de clitóris
e me parece que essa história é antiga. Tem mulher que tem vergonha,
tem moça doida para mexer nele, mas sente culpa, outras nunca olharam
lá e devem estar lendo este artigo com sobrancelhas arqueadas.
Miga, não fica chocada comigo e muito menos contigo, caso nunca tenha
trocado um papo reto com a sua vulva. A culpa não é sua. A sociedade
nos educa para odiarmos os nossos corpos femininos e para termos
vergonha de nossos mamilos, vaginas, dobrinhas, curvas, enfim, tudo!
Ser mulher é uma vergonha, né? Falar de “pepeka” nem pensar,
o clitóris, então, é a blasfêmia. A zoeira histórica e científica com
nossos corpos de fêmeas foi tanta que hoje, em pleno século XXI,
a gente ainda fica cheia de pudor para tocar nesse assunto,
literalmente! A mulher é ensinada a não ter contato com o próprio
corpo. A (nome da caixa de Pandora onde estão guardados todos
os males do mundo) é o portal para fora do paraíso e o clitóris,
um aparato de conexão com as forças do mal. Este panorama foi
estruturado, por um lado, por instituições religiosas, por outro,
pela ciência. A primeira, que atinando para o prazer feminino
como forma de poder, tacha a mulher dotada de autonomia sobre
o próprio corpo como um ser bestial. A segunda, impregnada de
misoginia desde seu início, não via como importante um órgão que
servia apenas para conceder prazer à mulher, relegando-o às páginas
de anatomia e omitindo-o dos círculos de temas importantes, sempre
tratando nosso órgão do prazer (hoje, eu prefiro nomeá-lo “órgão
da saúde”) como um apêndice ou algo menos, afinal, apêndice ainda
serve para dar apendicite, enquanto clitóris não serve para nada, né?!
Bom, moça, tempo passou e todas nós continuamos nascendo com
clitóris, esse órgão que “não serve para nada”. Alto lá! Não serve
para quem? Para você serve e muito, tenha certeza! No entanto,
tem homem que não gosta, que não sabe para que serve, muito
menos qual a importância dele. Na verdade, eles nem sabem onde
fica o tal ser diabólico, amoral e tentador, esse tal de clitóris.
Alguns que sabem fazem questão de mutilar algumas de nós,
com pedaços de vidro ou um metal qualquer que catou-se no chão*.
Muitas meninas morrem quando têm seus clitóris arrancados e
não estou falando de morte física (apesar de muitas morrerem no
processo), mas de morte da alma e da dignidade. Outras, têm seus
clitóris diminuídos, através de cirurgias reparadoras, agora não
por uma instituição religiosa, mas pela ciência médica que, pasme,
se acha no direito de ditar o que é um clitóris normal ou não.
Bem, moças, pelo que eu saiba existem pintos pequenos, grandes,
muito grandes, micropênis e nunca ouvi falar de um médico que
tenha impelido seu paciente a cortar metade do pênis porque
era grande demais. E aos que dizem que a internet está cheia de
sites com truques mágicos para aumentar um pênis pequeno,
atenção, não se trata de uma medicina invasiva dizendo que um
órgão de seu corpo é anormal e inaceitável para viver em
sociedade, e sim, entende-se, apenas, ser ego de macho. No rastro
da história, o clitóris sempre foi coadjuvante no filme da vida!
Talvez, uma única vez ele quase tenha chegado ao papel
principal. Foi na Grécia antiga, quando Hipócrates achou
que o clitóris fabricava um tipo de esperma, assim como o
pênis, fundamental para a mulher engravidar. Ou seja, para
ficarmos grávidas, precisaríamos ter orgasmos a fim de que tal
esperma fosse liberado pelo clitóris. O tempo passou, a Idade
Média fez vista grossa, afinal, as bestas precisavam de orgasmos
para procriar, então, tudo bem, pelo menos serve para isso! Mas,
ainda entendendo a mulher como um ser demoníaco, egoísta e que
precisava ter prazer a qualquer custo. Entenda, o prazer da mulher
por ela mesma não estava liberado, era permitido apenas para a
reprodução (para liberar o tal esperma feminino) e masturbar-se
era pecado. A primeira pessoa no mundo ocidental que escreveu
sobre clitóris foi o anatomista Ronaldo Columbus (no século XVI)
e chamou o órgão de “cidade do amor”. Antes e depois dele,
alguns outros homens comentaram sobre a genitália da mulher,
porém sempre comparando nossos corpos com os masculinos e
sustentando a ideia de que nossa vulva era um “pênis triste”, um
órgão masculino incompleto, defeituoso ou inferior. É por essas e
outras que, para descontrair, gosto de falar “A clitóris”, mesmo
sabendo que o certo é “O clitóris”, sujeitando a palavra ao órgão.
Mas minha vulva é meio anarquista, então, gosto de falar
“minha clitóris” e não “meu clitóris”.
Entre os séculos XIX e XX (século XX, minas, tipo, ontem!) o
clitóris ainda era tímido na Gray’s Anatomy e o que corroborou
muito para isto foi o médico Van Beneden descobrir, em 1875,
que gravidez nada tinha a ver com o prazer da mulher. Ou seja,
se o clitóris não era mais útil à reprodução, então não era mais
necessário falar sobre ele. Aliás, um tal Dr Baker Brown, em
Londres, apresentou à sociedade, a hipótese de mulheres serem
‘’nervosas e histéricas’’ por culpa do clitóris, portanto, o mesmo
deveria ser cortado, prática que perdurou até a década de 1920.
Então, imagina a cena: a mulher emite uma opinião qualquer
em casa, o marido leva ao médico e diz “doutor, essa mulher
está histérica” e o médico responde “ok, vamos cortar o clitóris
dela e logo ela ficará calminha’’.
Precisou passar todo o século XX para uma anatomista mulher
indignar-se, claro, resolver colocar a mão no clitóris e
desvendá-lo. Hellen O’Connell descobriu que o órgão pode chegar
até oito centímetros, que apresenta o dobro de terminações
nervosas de um pênis e, o melhor, ele está associado a todo o
organismo feminino. Ou seja, se esse pequeno órgão faz ligação
com todo o nosso corpo, isso significa que o prazer proporcionado
por ele interfere, positivamente, em nossa saúde física, mental
e emocional. É melhor que Rivotril! Por isso, iniciei essa trilogia
com o tema masturbação feminina, já que algumas cientistas
começam a apontar essa prática como um hábito saudável
para todas nós. Moça, seu clitóris tem poder! No próximo e
último artigo da Trilogia do Clitóris, veremos os benefícios
da masturbação autônoma feminina, além de práticas atuais
sobre o tema, desenvolvidas por mulheres ao redor do mundo.
*A prática da retirada do clitóris, apesar de ser considerada
um ato contra a dignidade da pessoa humana, ainda é
praticada em algumas partes do mundo por questões religiosas
ou estéticas.
Palmira Margarida é historiadora e atualmente é doutoranda na UFRJ.
Pesquisa sobre neurociências, os cheiros e as emoções. Estuda
também neurobiologia das plantas e é a pisciana mais ariana de que se
tem conhecimento. Descende de italianos e adora uma massa,
mas fala sem gesticular. Ama viajar e captar os aromas das trilhas,
das culturas e das ideias. Está em busca do profundo perfume do Ser.
Escreve neste espaço às quintas-feiras. Para informações sobre
seu trabalho com aromas na Casa Alquímica, entre em contato
pelo e-mail:palmira.margarida@revistavertigem.com
e me parece que essa história é antiga. Tem mulher que tem vergonha,
tem moça doida para mexer nele, mas sente culpa, outras nunca olharam
lá e devem estar lendo este artigo com sobrancelhas arqueadas.
Miga, não fica chocada comigo e muito menos contigo, caso nunca tenha
trocado um papo reto com a sua vulva. A culpa não é sua. A sociedade
nos educa para odiarmos os nossos corpos femininos e para termos
vergonha de nossos mamilos, vaginas, dobrinhas, curvas, enfim, tudo!
Ser mulher é uma vergonha, né? Falar de “pepeka” nem pensar,
o clitóris, então, é a blasfêmia. A zoeira histórica e científica com
nossos corpos de fêmeas foi tanta que hoje, em pleno século XXI,
a gente ainda fica cheia de pudor para tocar nesse assunto,
literalmente! A mulher é ensinada a não ter contato com o próprio
corpo. A (nome da caixa de Pandora onde estão guardados todos
os males do mundo) é o portal para fora do paraíso e o clitóris,
um aparato de conexão com as forças do mal. Este panorama foi
estruturado, por um lado, por instituições religiosas, por outro,
pela ciência. A primeira, que atinando para o prazer feminino
como forma de poder, tacha a mulher dotada de autonomia sobre
o próprio corpo como um ser bestial. A segunda, impregnada de
misoginia desde seu início, não via como importante um órgão que
servia apenas para conceder prazer à mulher, relegando-o às páginas
de anatomia e omitindo-o dos círculos de temas importantes, sempre
tratando nosso órgão do prazer (hoje, eu prefiro nomeá-lo “órgão
da saúde”) como um apêndice ou algo menos, afinal, apêndice ainda
serve para dar apendicite, enquanto clitóris não serve para nada, né?!
Bom, moça, tempo passou e todas nós continuamos nascendo com
clitóris, esse órgão que “não serve para nada”. Alto lá! Não serve
para quem? Para você serve e muito, tenha certeza! No entanto,
tem homem que não gosta, que não sabe para que serve, muito
menos qual a importância dele. Na verdade, eles nem sabem onde
fica o tal ser diabólico, amoral e tentador, esse tal de clitóris.
Alguns que sabem fazem questão de mutilar algumas de nós,
com pedaços de vidro ou um metal qualquer que catou-se no chão*.
Muitas meninas morrem quando têm seus clitóris arrancados e
não estou falando de morte física (apesar de muitas morrerem no
processo), mas de morte da alma e da dignidade. Outras, têm seus
clitóris diminuídos, através de cirurgias reparadoras, agora não
por uma instituição religiosa, mas pela ciência médica que, pasme,
se acha no direito de ditar o que é um clitóris normal ou não.
Bem, moças, pelo que eu saiba existem pintos pequenos, grandes,
muito grandes, micropênis e nunca ouvi falar de um médico que
tenha impelido seu paciente a cortar metade do pênis porque
era grande demais. E aos que dizem que a internet está cheia de
sites com truques mágicos para aumentar um pênis pequeno,
atenção, não se trata de uma medicina invasiva dizendo que um
órgão de seu corpo é anormal e inaceitável para viver em
sociedade, e sim, entende-se, apenas, ser ego de macho. No rastro
da história, o clitóris sempre foi coadjuvante no filme da vida!
Talvez, uma única vez ele quase tenha chegado ao papel
principal. Foi na Grécia antiga, quando Hipócrates achou
que o clitóris fabricava um tipo de esperma, assim como o
pênis, fundamental para a mulher engravidar. Ou seja, para
ficarmos grávidas, precisaríamos ter orgasmos a fim de que tal
esperma fosse liberado pelo clitóris. O tempo passou, a Idade
Média fez vista grossa, afinal, as bestas precisavam de orgasmos
para procriar, então, tudo bem, pelo menos serve para isso! Mas,
ainda entendendo a mulher como um ser demoníaco, egoísta e que
precisava ter prazer a qualquer custo. Entenda, o prazer da mulher
por ela mesma não estava liberado, era permitido apenas para a
reprodução (para liberar o tal esperma feminino) e masturbar-se
era pecado. A primeira pessoa no mundo ocidental que escreveu
sobre clitóris foi o anatomista Ronaldo Columbus (no século XVI)
e chamou o órgão de “cidade do amor”. Antes e depois dele,
alguns outros homens comentaram sobre a genitália da mulher,
porém sempre comparando nossos corpos com os masculinos e
sustentando a ideia de que nossa vulva era um “pênis triste”, um
órgão masculino incompleto, defeituoso ou inferior. É por essas e
outras que, para descontrair, gosto de falar “A clitóris”, mesmo
sabendo que o certo é “O clitóris”, sujeitando a palavra ao órgão.
Mas minha vulva é meio anarquista, então, gosto de falar
“minha clitóris” e não “meu clitóris”.
Entre os séculos XIX e XX (século XX, minas, tipo, ontem!) o
clitóris ainda era tímido na Gray’s Anatomy e o que corroborou
muito para isto foi o médico Van Beneden descobrir, em 1875,
que gravidez nada tinha a ver com o prazer da mulher. Ou seja,
se o clitóris não era mais útil à reprodução, então não era mais
necessário falar sobre ele. Aliás, um tal Dr Baker Brown, em
Londres, apresentou à sociedade, a hipótese de mulheres serem
‘’nervosas e histéricas’’ por culpa do clitóris, portanto, o mesmo
deveria ser cortado, prática que perdurou até a década de 1920.
Então, imagina a cena: a mulher emite uma opinião qualquer
em casa, o marido leva ao médico e diz “doutor, essa mulher
está histérica” e o médico responde “ok, vamos cortar o clitóris
dela e logo ela ficará calminha’’.
Precisou passar todo o século XX para uma anatomista mulher
indignar-se, claro, resolver colocar a mão no clitóris e
desvendá-lo. Hellen O’Connell descobriu que o órgão pode chegar
até oito centímetros, que apresenta o dobro de terminações
nervosas de um pênis e, o melhor, ele está associado a todo o
organismo feminino. Ou seja, se esse pequeno órgão faz ligação
com todo o nosso corpo, isso significa que o prazer proporcionado
por ele interfere, positivamente, em nossa saúde física, mental
e emocional. É melhor que Rivotril! Por isso, iniciei essa trilogia
com o tema masturbação feminina, já que algumas cientistas
começam a apontar essa prática como um hábito saudável
para todas nós. Moça, seu clitóris tem poder! No próximo e
último artigo da Trilogia do Clitóris, veremos os benefícios
da masturbação autônoma feminina, além de práticas atuais
sobre o tema, desenvolvidas por mulheres ao redor do mundo.
*A prática da retirada do clitóris, apesar de ser considerada
um ato contra a dignidade da pessoa humana, ainda é
praticada em algumas partes do mundo por questões religiosas
ou estéticas.
Palmira Margarida é historiadora e atualmente é doutoranda na UFRJ.
Pesquisa sobre neurociências, os cheiros e as emoções. Estuda
também neurobiologia das plantas e é a pisciana mais ariana de que se
tem conhecimento. Descende de italianos e adora uma massa,
mas fala sem gesticular. Ama viajar e captar os aromas das trilhas,
das culturas e das ideias. Está em busca do profundo perfume do Ser.
Escreve neste espaço às quintas-feiras. Para informações sobre
seu trabalho com aromas na Casa Alquímica, entre em contato
pelo e-mail:palmira.margarida@revistavertigem.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário