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terça-feira, 15 de novembro de 2016

NÃO VERÁS PAÍS NENHUM


Não verás país nenhum
POR FERNANDO BRITO · 11/11/2016


Às vezes me sinto como se outro país tivesse invadido o Brasil.

Restauramos a moralidade, embora locupletem-se todos.

Nunca se concentrou tanto a riqueza – porque tirar dos pobres o serviço público não é outra coisa – e nunca se a transferiu tanto para fora, ou ao menos não com tamanha desfaçatez, desde que Shigeaki Ueki, o japonês que Ernesto Geisel colocou no Ministério das Minas e Energia e comprou a Light – toda endividada – poucos anos antes de sua concessão expirar e todo o sistema elétrico do Rio e de São Paulo reverter ao Estado brasileiro, sem as dívidas.

Mas é agora que estamos no caminho “certo”.

De repente, eu que cresci com Mário Andreazza dando as cartas (e as obras públicas) no país, que estudei com Jarbas Passarinho como ministro da Educação, que me tornei adulto em meio aos casos Capemi, Delfim, Brasilinvest, Lume, Coroa-Brastel e outros tantos do Governo Figueiredo, que virei pai no Governo Sarney, fazendo mamadeiras de leite de soja – pois o de vaca sumira – no Governo Sarney e seu Cruzado, que voltei a votar para presidente na eleição que Collor ganhou e maduro em meio à privataria de Fernando Henrique Cardoso, tenho uma súbita revelação.

Meu país era de governos honestos, honrados, incorruptíveis!

O mal foi o PT, foi o Bolsa Família, foi este desastroso aumento do salário mínimo, esta porcaria do petróleo do pré-sal, foi a Copa, foi a distribuição de renda!

Ainda bem que nos vieram estes rapazes imberbes e cristãos, sofridos nas duras necessidades de quem tem de viver com a mixórdia de R$ 25 ou 30 mil por mês, que recebem auxílio para morar nas casas que são suas e que são pilares de Justiça e da Fé para nos redimir destes “monstros”.

Agora, sim, temos um país a caminho da felicidade, comandado por uma nulidade que, entretanto, é capaz de dizer obviedades com pompa e, num gesto de mão, espantar os críticos como quem espana moscas.

Temos uma crise, mas é certo que sairemos dela, certo que com a educação destruída, os hospitais abandonados, o Estado retalhado e vendido e os homens e mulheres – sabemos todos que a tecnologia nos tornou menos produtivos que nossos avós – tendo de trabalhar quase até o último suspiro de suas existências.

Trabalhar, sim, porque isto faz bem às costas doloridas, às pernas manquitolas e à alma exausta, desde que por mais horas por semana e menos salário no mês.

Eu, sim, é que sou um estrangeiro, porque tenho esta deformação ideológica – comunista, por certo – de pretender que este seja um país autônomo, que as pessoas sejam essencialmente iguais em direitos e que a finalidade do conhecimento, do progresso econômico e da civilização seja a de nos livrar do sofrimento, da necessidade, da barbárie, da selva e da exibição de presas, como fazem os cães.

E o país dos homens honrados – honradíssimos e de pança cheia – já vai cuidando de reduzir-me a essa condição de pária que sou, imbecil que não repara como tudo mudou e melhorou desde que o golpe restaurou a democracia.

Agora, a epifania revelou-me tudo. Não é o Brasil que não pertence aos brasileiros.

Somos os brasileiros que não pertencemos mais a este Brasil.

Embora teimemos em nos sentir parte dele, mais que tudo: mais do que tribo, mais do que gênero, mais que do que etnia, mais do que religião, mais do que indivíduo.

Esta “coisa” arcaica, demodê, reducionista, que teima em ser falada, ao longo da história, pelos tais populistas, a quem torcem o nariz : o povo brasileiro.

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