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sexta-feira, 24 de abril de 2009

VERDADE OU CONSEQUÊNCIA?


Num encontro entre amigos, a felicidade é colocada em xeque
Por Rosana Caiado •

À meia-noite daquele encontro entre amigos, eis que um deles ajeita-se na cadeira com uma ideia debaixo do braço: "Hora brincar de Verdade ou Consequência?". No burburinho das lembranças da escola, o dono da brincadeira deita uma garrafa vazia sobre a mesa. O fundo determina quem pergunta e a boca, quem responde. A turma forma um círculo e lança a sorte.

Quando vejo a garrafa na minha direção, não dá tempo de raciocinar se pergunto ou respondo. Levanto a cabeça e uma pergunta me atinge à queima-roupa:

- Você é feliz?

Junto as sobrancelhas.

No meu tempo, as perguntas eram menos invasivas e brincar de Verdade ou Consequência significava revelar a cor da calcinha, ou, no máximo, apontar qual participante do jogo eu beijaria na boca. Com o avançar da idade, as perguntas evoluíram para "Você é virgem?" e depois para "Com quantos você já transou?", mas não me lembro de uma pergunta tão inconveniente quanto "Você é feliz?".

- Que indiscrição - protesto, antes de responder um tímido "não".

A felicidade é uma isca que cintila diante dos nossos olhos para continuarmos em frente, com o objetivo de um dia alcançá-la...

Está dada a largada para uma discussão onde, de início, meus amigos enumeram os motivos incontestáveis para a minha felicidade e, em seguida, discorrem sobre a felicidade em si. Sem que nenhum tenha sido questionado, todos respondem à pergunta batendo no peito: sim, sou feliz, muito feliz, desde de abrir os olhos até a hora de dormir. Ainda que em voz baixa, ouso dizer que não conheço ninguém feliz. No máximo, alegre. Ou palhaço. E começa nova polêmica em que escapam alguns xingamentos leves.

Ninguém me avisou, mas parece que estou no Encontro Anual das Pessoas Mais Felizes do Mundo. Seus componentes, orgulhosos, juram que suas famílias têm saúde, seus amigos os amam, seus filhos pararam de fazer xixi na cama, seus trabalhos lhes dão reconhecimento e dinheiro na conta, fazem sexo toda semana e têm Jesus no coração. Diante da perfeição, só lhes resta a felicidade.

Ué? A brincadeira não é falar a verdade?

Sempre há uma tristeza aqui ou ali. Se motivos para ser feliz não faltam, sobram razões para o inverso. A felicidade é uma isca que cintila diante dos nossos olhos para continuarmos em frente, com o objetivo de um dia alcançá-la. Não que eu seja infeliz. Mas um pouco angustiada. Neurótica. Maluquinha. Feliz, felizona, eu até fico, mas passa rápido.

O dono da brincadeira tem a melhor ideia da noite: gira a garrafa pela segunda vez. O que ninguém contava é que ela apontaria novamente na minha direção. Com medo do que viria depois de "Você é feliz?", cogito arriscar Conseqüência, quando fito o fundo da garrafa e me dou conta de que é minha vez de perguntar e não de responder. Para felicidade geral, mando à queima-roupa:

- Qual participante do jogo você beijaria na boca?

E no burburinho das lembranças da escola, começa a brincadeira.

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