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sexta-feira, 15 de julho de 2011

DOM QUIXOTE DE LA MANCHA E OS BRASILEIROS



 Vera Chvatal


O que tem de comum entre Dom Quixote de La Mancha e os brasileiros? Dom Quixote, o “cavaleiro da triste figura”  foi - na imortal obra de Cervantes - um romântico e sonhador fidalgo que acreditava ter que sair pelo mundo acompanhado de seu fiel escudeiro Sancho Pança e do esquálido cavalo Rocinante, lutando contra monstros imaginários, invisíveis e salvando donzelas desamparadas, em perigo.

Nós brasileiros temos um pouco desse personagem fictício. Os monstros com os quais temos que lutar são, de certa forma, também invisíveis, mas não imaginários. Enquanto os monstros de Dom Quixote eram moinhos que, com suas pás girando ao vento, transformavam-se em criaturas maléficas e perigosas na torturada imaginação do fidalgo, os nossos monstros com seus  pomposos nomes de “corrupção”, “impunidade” e “omissão” também possuem tentáculos invisíveis e perigosíssimos que atacam o desenvolvimento saudável do país e impedem o bem-estar de sua população.

Um crítico da obra de Cervantes disse que ela foi estruturada em duas partes, deixando na primeira parte a sensaçåo de liberdade máxima, enquanto que na segunda parte a sensação é de asfixia e de encerramento em estreitos limites. Na primeira parte reina a ironia,  como uma amarga expressão da impossibilidade de dar realidade a um ideal. E na segunda parte, o que se percebe é muito mais a confrontação do reino da imaginação com o mundo da realidade.

Segundo Cervantes, sua obra representa “a ordem desdordenada”, permitindo-lhe dar relevo aos contrastes através da deslocação do patético para o burlesco. Dessa forma o conflito nasce do confronto entre o passado e o presente, o ideal e o real, e o ideal e o social...

Pois não é esse o atual retrato da realidade política do nosso país? Todos os dias lendo os jornais, acessando a internet ou assistindo à TV o que vemos é uma sucessão burlesca de corrupção e corrúptos degladiando-se para escapar impunes de suas responsabilidades, omitindo-se em enfrentar a realidade do que seus atos obscuros, egoístas e ganaciosos provocam no pais e na população que os elegeu para representá-los.

Campinas é um retrato vivo disso! O que se vê são impostos altíssimos sendo cobrados da população em contrapartida às ruas esburacadas com asfalto mal-feito, calçadas inexistentes e perigosas para se caminhar, praças abandonadas e cobertas de mato, níveis de violência altíssimos, segurança zero, cultura inexistente... e por aí vai!

No passado já fomos uma cidade considerada aprazível para se viver, com boa qualidade de vida... atualmente registramos um dos mais altos índices de roubos e violência urbana. Já fomos uma cidade onde o ideal era a preservação do verde, onde a água que bebíamos era das melhores do país... hoje o próprio orgão responsável pelo cuidado com a água se vê enlameado pela corrupção daqueles que o administram! Campinas já teve uma rica vida cultural. Ostentou um dos mais belos teatros, o Teatro Municipal Carlos Gomes onde o próprio homenageado se apresentou e que acabou sendo demolido – estúpidamente – pelos mandatários da ocasião. E o que temos agora? Cinemas que viraram teatros e que acabaram fechados ou em ruínas pelo abandono do poder público. E os que ainda funcionam deixam muito a desejar em matéria de conforto e utilização cultural.

O descaso com a cidade é notório e só não vê quem não quer enxergar ou está mancomunado com os corrúptos. Não se trata de imaginação, não são moínhos cujas pás abanando o vento assustam os menos desavisados. A corrupçao é real, a impunidade é real e a omissão daqueles que deveriam fazer as reformas políticas, judiciárias e tributárias que se fazem necessárias também é real. É real, mas parece irreal. Já que entra governo, sai governo e as reformas não saem do papel.

Não bastasse isso e também o povo parece anestesiado pelo consumismo, e na hora de votar e escolher pessoas responsáveis para representá-los, se omite, deixando-se levar por interesses mesquinhos, particulares. É patético!

Dom Quixote, ao regressar ao seu povoado reconheceu que não era um herói, que heróis não existem. Tudo bem! Mas se não existem heróis, até quando teremos que aguentar os “bandidos” que grassam impunemente por aí? Abrem-se processos, fecham-se processos e os (ir)responsáveis acabam se safando. Desse jeito, não tem como não sentir-se como o “cavaleiro da triste figura” lutando contra moinhos de vento, inexpugnáveis, invisíveis, mas não imaginários...


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