CONSCIÊNCIA DOS ANIMAIS |
23/07/2012
"Não é mais possível dizer que não sabíamos", diz Philip Low |
Neurocientista explica por que pesquisadores se uniram
para assinar manifesto que admite a existência da consciência
em todos os mamíferos, aves e outras criaturas
Marco Túlio Pires, de VEJA
Estruturas do cérebro responsáveis pela produção da consciência são análogas em
humanos e outros animais, dizem neurocientistas
São Paulo - O neurocientista canadense Philip Low ganhou
destaque no noticiário científico depois de apresentar um
projeto em parceria com o físico Stephen Hawking, de 70
anos. Low quer ajudar Hawking, que está completamente
paralisado há 40 anos por causa de uma doença degenerativa,
a se comunicar com a mente.
Os resultados da pesquisa foram revelados no último
sábado (7) em uma conferência em Cambridge.
Contudo, o principal objetivo do encontro era outro.
Nele, neurocientistas de todo o mundo assinaram
um manifesto afirmando que todos os mamíferos,
aves e outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência.
Stephen Hawking estava presente no jantar de assinatura
do manifesto como convidado de honra.
Low é pesquisador da Universidade Stanford e do MIT
(Massachusetts Institute of Technology), ambos nos
Estados Unidos. Ele e mais 25 pesquisadores entendem
que as estruturas cerebrais que produzem a
consciência em humanos também existem nos animais.
"As áreas do cérebro que nos distinguem de outros
animais não são as que produzem a consciência", diz
Low, que concedeu a seguinte entrevista ao site de VEJA:
Veja.com - Estudos sobre o comportamento animal
já afirmam que vários animais possuem certo grau
de consciência. O que a neurociência diz a respeito?
Philip Low - Descobrimos que as estruturas que nos
distinguem de outros animais, como o córtex cerebral,
não são responsáveis pela manifestação da consciência.
Resumidamente, se o restante do cérebro é responsável
pela consciência e essas estruturas são semelhantes
entre seres humanos e outros animais, como mamíferos
e pássaros, concluímos que esses animais também
possuem consciência.
Veja.com - Quais animais têm consciência?
P. L. -Sabemos que todos os mamíferos, todos os
pássaros e muitas outras criaturas, como o polvo,
possuem as estruturas nervosas que produzem a
consciência. Isso quer dizer que esses animais sofrem.
É uma verdade inconveniente: sempre foi fácil afirmar
que animais não têm consciência.
Agora, temos um grupo de neurocientistas respeitados
que estudam o fenômeno da consciência, o
comportamento dos animais, a rede neural,
a anatomia e a genética do cérebro. Não é mais
possível dizer que não sabíamos.
Veja.com - É possível medir a similaridade entre
a consciência de mamíferos e pássaros e a dos
seres humanos?
P. L. - Isso foi deixado em aberto pelo manifesto.
Não temos uma métrica, dada a natureza da
nossa abordagem. Sabemos que há tipos diferentes
de consciência. Podemos dizer, contudo, que a
habilidade de sentir dor e prazer em mamíferos
e seres humanos é muito semelhante.
Veja.com - Que tipo de comportamento animal dá
suporte à ideia de que eles têm consciência?
P. L. - Quando um cachorro está com medo, sentindo
dor, ou feliz em ver seu dono, são ativadas em seu
cérebro estruturas semelhantes às que são
ativadas em humanos quando demonstramos
medo, dor e prazer. Um comportamento muito
importante é o autorreconhecimento no espelho.
Dentre os animais que conseguem fazer isso, além
dos seres humanos, estão os golfinhos, chimpanzés,
bonobos, cães e uma espécie de pássaro chamada
pica-pica.
Veja.com - Quais benefícios poderiam surgir a partir
do entendimento da consciência em animais?
P. L. - Há um pouco de ironia nisso. Gastamos muito
dinheiro tentando encontrar vida inteligente fora do
planeta enquanto estamos cercados de inteligência
consciente aqui no planeta. Se considerarmos que um
polvo — que tem 500 milhões de neurônios (os humanos
tem 100 bilhões) — consegue produzir consciência,
estamos muito mais próximos de produzir uma
consciência sintética do que pensávamos. É muito
mais fácil produzir um modelo com 500 milhões de
neurônios do que 100 bilhões. Ou seja, fazer esses
modelos sintéticos poderá ser mais fácil agora.
Veja.com - Qual é a ambição do manifesto?
P. L. - Os neurocientistas se tornaram militantes do
movimento sobre o direito dos animais?
É uma questão delicada. Nosso papel como cientistas
não é dizer o que a sociedade deve fazer, mas tornar
público o que enxergamos. A sociedade agora terá
uma discussão sobre o que está acontecendo e
poderá decidir formular novas leis, realizar mais
pesquisas para entender a consciência dos animais ou
protegê-los de alguma forma. Nosso papel é reportar
os dados.
Veja.com - As conclusões do manifesto tiveram
algum impacto sobre o seu comportamento?
P. L. - Acho que vou virar vegetariano. É impossível
não se sensibilizar com essa nova percepção sobre
os animais, em especial sobre sua experiência
do sofrimento. Será difícil, adoro queijo.
Veja.com - O que pode mudar com o impacto
dessa descoberta?
P. L. - Os dados são perturbadores, mas muito
importantes. No longo prazo, penso que a sociedade
dependerá menos dos animais. Será melhor para todos.
Deixe-me dar um exemplo. O mundo gasta
20 bilhões de dólares por ano matando 100 milhões
de vertebrados em pesquisas médicas.
A probabilidade de um remédio advindo
desses estudos ser testado em humanos (apenas teste,
pode ser que nem funcione) é de 6%.
É uma péssima contabilidade. Um primeiro passo
é desenvolver abordagens não invasivas.
Não acho ser necessário tirar vidas para estudar
a vida. Penso que precisamos apelar para nossa
própria engenhosidade e desenvolver melhores
tecnologias para respeitar a vida dos animais.
Temos que colocar a tecnologia em uma posição em que
ela serve nossos ideais, em vez de competir com eles.
Fonte: site Exame.com
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