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segunda-feira, 22 de março de 2010

A DOR QUE DÓI MAIS

Martha Medeiros

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o
tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na
quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da
infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca
existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha
mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele,
do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência
consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas
sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas
sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la,
mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma
saudade que ninguém sabe como deter.


Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no
inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se
ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta
com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango
de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a
entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se
ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele
continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando,
se ela continua lhe amando.


Saudade é não saber. Não saber o que fazer com o s dias que ficaram mais
compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento,
não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como
vencer a dor de um silêncio que nada preenche.


Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se
ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é
nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.


Foto Daniel/Zoológico de São Carlos

Um comentário:

Sonia Jaboti disse...

Eu sou uma pessoa que tenho pouca saudade. Agora me deu saudade de conversar sobre coisas sérias, mas dando risada. AQUELAS COISAS QUE FALAM FUNDO DE NOSSA ALMA, MAS QUE SOMOS INCAPAZES DE RESOLVER. TUDO O QUE REALMENTE EXISTE E SOMOS NADA. Isso é uma coisa que tenho saudade. Sentar numa cadeira rodeada de plantas, olhando pro mar, um sol forte, e falando da vida, da vida que temos. Da vida que de graça recebemos e que ao falarmos massageamos nosso ego.