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sábado, 20 de outubro de 2007

O ANJO DA SOLIDÃO


Vera Chvatal

No interior de Pernambuco existe uma cidade chamada Solidão que, de tão pequena, nem consta no mapa. Pus-me a conjecturar em como ela seria... Triste, escura, vazia, deserta? Imaginei-me morando lá... Quando alguém me perguntasse : -Onde você mora? Eu diria: -Em solidão!
Mas, o que é solidão? Ser solitário equivale a ser triste? Sentir-se vazio? Viver num deserto? No escuro? Divagando, pensei que solidão tem a ver com o sentimento de se estar só, isolado. No entanto, pode-se sentir sozinho, isolado, mesmo cercado de algumas pessoas ou no meio de uma grande multidão.

Muitas pessoas reclamam desse mal. Têm filhos, amigos, moram em bairros bons, têm vizinhos próximos. E se sentem sós, isoladas, solitárias. E sofrem! E tem outras pessoas que vivem sozinhas e isoladas e não sofrem. Sentem-se bem.

Acho que a solidão não tem mesmo muito a ver com estar ou não estar com outras pessoas. A solidão é uma experiência emocional. Um fenômeno subjetivo. O que importa é sentir-se bem consigo mesmo e com o mundo.

Solidão tem a ver com vínculo, aquilo que ata, liga. E o vínculo é uma experiência emocional que acontece entre as pessoas ou entre a pessoa consigo mesma. Sentir-se vinculado a outra pessoa, a si mesmo ou a algo, dá um sentimento de segurança, estabilidade, permanência.

Como o apelo apaixonado do Rei Salomão ao cantar para a sua amada Sulamita: -Grava-me, como um selo em teu coração, como um selo em teu braço; pois o amor é forte, é como a morte! (Cânt 8,6)

Pensando nisso, resolvi consultar quem entende mesmo das coisas... Os poetas! Pois se até mesmo o pai da psicanálise, Sigmund Freud, reconheceu sua sabedoria: -Seja qual for o caminho que eu escolher, o poeta já passou por ele antes de mim.
Vinicius de Moraes afirma: -A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. Então, a solidão tem a ver com o desamor. Ela ataca aquele que não se abre para o outro, para a vida, para o amor. Quem não é capaz de amar, sofre de solidão.

A poetiza Gabriela Mistral acrescenta: -É a noite desamparo, das montanhas ao oceano. Porém eu, a que te ama, eu não sinto a solidão. Quem ama não sente a solidão como um fardo, como um sofrimento. Quem ama respeita a liberdade do ser amado. Deixa-o ir para voltar quando e como quiser! E o amor preenche o coração enquanto aguarda o retorno do amado. Mesmo longe se sente ligado pelos laços do amor.

O eterno Fernando Pessoa diz: -Minha mulher, a solidão, consegue que eu não seja triste. Ah, que bom é o coração, ter este bem que não existe. A solidão á como uma mulher, precisa ser amada para não causar dor, sofrimento.

O amor, a saudade, a solidão são companheiros do poeta. Não se pode falar de amor sem falar de saudades, pois quem ama sente saudades. Quando o ser amado se ausenta por um tempo, ou mesmo quando se vai para sempre, o coração se enche de saudades.

Por isso canta Vinicius: -Vai e diz, diz assim, como sou infeliz. No meu descaminho, diz que estou sozinho e sem saber de mim. E o poeta, cantor e compositor Oswaldo Montenegro completa: -Metade de mim é partida / mas a outra metade é saudade.

Partir é preciso, mudar também. E a saudade vai acompanhar quem parte e fazer companhia para quem fica. Alguém já disse que a saudades é a presença de uma ausência. Amor, saudades, solidão! Quanta poesia evoca. E poetizar é bom, faz bem ao coração!

Dentro de mim mora um anjo, doce anjo que se chama solidão. Ouço o ruflar de suas asas, na cadência suave do coração. Seduziu-me esse anjo que em mim mora. Companheiro nas indolentes, mortas horas...
No Cântigo (2,11-13) da Bíblia Sagrada, a partida, a mudança, a saudade são cantadas em verso e prosa junto com a esperança: -Vê o inverno: já passou! Olha a chuva: já se foi! As flores florescem na terra, o tempo da poda vem vindo, e o canto da rola está se ouvindo em nosso campo. Despontam figos na figueira e a vinha florida exala perfume...
E dá para sofrer de solidão com tanta beleza?

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