Um
quintal não precisa ser grande, e o chão deve ser de terra batida. Nele
deve haver algumas árvores que não pareçam ter sido plantadas, mas
sempre existido. Um abacateiro e uma goiabeira, de goiaba vermelha, são
fundamentais. No fundo, um galinheiro tosco, com uma porta quebrada,
para que as três ou quatro galinhas possam correr quando alguém quiser
pegá-las. Nenhum computador levará uma criança ao deslumbramento que ela
terá ao encontrar um ovo e segurá-lo, ainda quentinho. É o mistério da
vida nas mãos dela, mais absoluto e mais simples do que qualquer livro
de filosofia.
Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando?
Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida. É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado.
Um dia, a cozinheira avisa que vai matar uma galinha para o molho pardo. Os meninos pedem para ver a cena trágica; a mãe não quer, mas a empregada, acostumada, com o facão na mão, facilita. Se a galinha tiver dentro da barriga aquele monte de ovinhos, aí a lição de morte – e de vida – será ainda mais completa. E mais lições serão aprendidas quando alguém sugerir fazer uma peteca com as penas mais duras e algumas palhas de milho. Mas será que alguém sabe do que estou falando?
Voltando: esse quintal deve ser meio abandonado, mas muito limpo; duas vezes por dia a empregada, cantando bem alto, dá uma varrida. É importante também que haja um tanque para lavar o pé de alguma criança quando ela pisar descalça numa porcaria, e um varal com pregadores de roupa de madeira. Nesse lugar, não vai ter horta nem pomar organizado.
Em compensação, é bom que exista do outro lado do muro uma enorme
mangueira para que se possa praticar o melhor crime do mundo: roubar as
frutas do vizinho. Nos fundos de um quintal, deve haver também uma
touceira de bananeiras ou bambus e, claro, um adulto dizendo sempre para
tomar cuidado, pois ali pode ter uma cobra.
Não
há infância que se preze sem medo de cobra. Quando as goiabas começam a
crescer, fica todo mundo de olho até a primeira delas estar no ponto
para ser arrancada e mordida ali mesmo, sem lavar. E que sensação
terrível quando se vê o bicho da goiaba se mexendo. Aí, sem que ninguém
precise dizer nada, você começa a aprender que a vida é assim: ou se
compra uma goiaba bonita, mas sem gosto, ou se espera com paciência ela
amadurecer no pé até desfrutar o supremo prazer de dar aquela dentada –
com direito a bicho e tudo.
Mas o tempo voa. De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas. Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.
Mas o tempo voa. De repente você se sente só, abre o caderno de telefones e percebe sua pouca afinidade com os nomes que estão lá, que tem vivido uma vida que não tem nada a ver e começa a procurar um sentido para as coisas. Não encontra resposta, claro, mas um dia está no trânsito, vê um terreno baldio, se lembra daquele quintal no qual não pensa há anos e percebe que essa é a lembrança mais importante e mais feliz de sua vida. E passa a olhar o mundo com a superioridade de quem tem um tesouro guardado dentro do peito, mas ninguém sabe.
Foto Vera
3 comentários:
Nossa! Este texto me remeteu a minha infância, cresci assim... livre, feliz, brincando na terra, subindo em árvores, correndo no meio das galinhas, fazendo pic-nic embaixo da parreira de uvas, um sonho...
Agora, conto os dias, quero comprar uma pequena chácara para que meus filhos conheçam um pouco desta alegria.
Bj
Muito bom. Ah, mas a morte/vida da galinha era difícil de ver, minha mãe pegava a faca eu ia para rua para não ver, os irmãos idem. A coitada já nos dava os ovos, assim como a vaca nos dava o leite. Até hoje ainda me pergunto se não nos bastavam as raízes, cereais, frutas e verduras, bolos, bolinhos, café com leite/pão com manteiga, pastel com Coca Cola (rs). Na próxima vida vou deixá-las ciscando no quintal, as minhocas que se cuidem. Acho meio cruel essa tal de "cadeia alimentar". Mas é a vida. Abraço/ney.
Concordo contigo Ney!
Nunca consegui observar essa prática que para mim era - ainda é - de uma crueldade que me fazia sofrer! Também acho a tal cadeia alimentar cruel.
Tenho uma amiga que é médica e carnívora convicta e ela me provoca diendo que o pé de alface tambeem choraria, se pudesse ser ouvido, a cada vez que o arrancam da terra para servir de salada...
Grande abraço, Vera
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