Rubem Alves
completa hoje 78 anos.
Segue uma crônica
enviada pelo aniversariante.
MEDITAÇÃO DE
VELHICE
E o Poeta então
falou:
“Brumas
e espumas.
Tudo são brumas e
espumas...
Para tudo há um tempo
determinado.
Há o tempo de nascer e o tempo de
morrer.
O
tempo de plantar e o tempo de arrancar o que se plantou.
O tempo de construir e o tempo de demolir.
O tempo de chorar e o tempo de
rir.
O
tempo de amar e o tempo de enfadar-se com o amor.
O tempo de guerra e o tempo de
paz.
Para todas as coisas há um tempo
certo.
Mas Deus colocou o coração do homem para além do tempo, na
eternidade.
Nada há de melhor para o homem do que
alegrar-se e levar uma vida prazerosa. E isso é presente de Deus, que o homem possa comer, beber e desfrutar do
seu trabalho.
O
que é, já foi. E o que vai ser também já foi. Mas Deus fará voltar o que já
passou.
Lembra-te do teu Criador nos dias da tua
mocidade, antes que venham os maus dias
e cheguem os anos em que dirás: Não tenho neles
prazer.
Antes que se escureçam o sol, a lua e as
estrelas, luzes da tua vida, e tornem a vir as nuvens depois do
aguaceiro;
No dia em que os teus braços, guarda da
tua casa, tremerem,
E as tuas pernas outrora fortes se
curvarem,
E os moedores da tua boca cessarem de
moer, por já serem poucos,
E os teus olhos, janelas da tua casa se
cerrarem,
E os teus lábios se fecharem: o dia em que
não puderes falar em voz alta,
E te levantares ao canto das aves, e não
mais ouvires o som da música.
Quando tiveres medo do que é
alto,
E te espantares no
caminho,
E o teu cabelo ficar
branco,
E um simples gafanhoto for muito peso para
tuas forças,
E não tiveres mais
fome.
Porque vais para a casa eterna
E os pranteadores já estão andando pela
praça.
Antes que se rompa o fio de
prata,
E se despedace o copo de
ouro,
E se quebre o cântaro junto à
fonte,
E o pó volte à
terra
E o
sopro da vida volte a Deus, que o
soprou.
Vai, pois, come com alegria o teu pão e
bebe gostosamente o teu vinho. Em todo tempo sejam brancas as tuas roupas e
jamais falte óleo na tua cabeça. Goza a vida com quem tu que amas todos os
dias da tua vida que logo passa, como passam as brumas e as
espumas...”
Ditas essas palavras o Poeta parou, pôs-se
a olhar as montanhas que se viam ao
longe – tantas vezes ele trilhara os seus caminhos - feliz e cansado com sua longa vida, sorriu,
tomou a taça de vinho vermelho e disse: “Bebamos juntos! Como a vida é boa! Eu
gostaria de viver 1.000 anos”...
Ditas essas palavras ele fechou os olhos,
começou a cantarolar baixinho uma cantiga que sua mãe lhe cantava para dormir.
Sua mão se abriu, a taça de cristal caiu e se quebrou numa infinidade de
cacos..
* *
*
Enterraram o Poeta no alto de uma colina
de onde se viam as montanhas no horizonte distante. Ao lado de sua sepultura
plantaram uma árvore. Dizem que ainda não parou de crescer. Amarraram balanços
nos seus galhos fortes e as crianças e os adultos se divertem brincando de
tocar as nuvens com a ponta dos pés.
Escreveram-lhe como epitáfio as palavras do poeta Robert Frost: “Ele teve um caso de amor com a
vida.”
Um comentário:
Bom dia.
Gostei e achei muito verdadeiro.
bjs
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