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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MEDITAÇÃO DE VELHICE

Rubem Alves completa hoje 78 anos.
Segue uma crônica enviada pelo aniversariante.

 
MEDITAÇÃO DE VELHICE

E o Poeta então falou:

“Brumas e espumas.
Tudo são brumas e espumas...
Para tudo há um tempo determinado.
Há o tempo de nascer e o tempo de morrer.
O tempo de plantar e o tempo de arrancar o que se plantou.
O tempo de construir e o tempo de demolir.
O tempo de chorar e o tempo de rir.
O tempo de amar e o tempo de enfadar-se com o amor.
O tempo de guerra e o tempo de paz.
Para todas as coisas há um tempo certo.
Mas Deus colocou o coração do homem para além do tempo, na eternidade.
Nada há de melhor para o homem do que alegrar-se e levar uma vida prazerosa. E isso é presente de Deus, que o homem possa comer, beber e desfrutar do seu trabalho.
O que é, já foi. E o que vai ser também já foi. Mas Deus fará voltar o que já passou.
Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias e cheguem os anos em que dirás: Não tenho neles prazer.
Antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas, luzes da tua vida, e tornem a vir as nuvens depois do aguaceiro;
No dia em que os teus braços, guarda da tua casa, tremerem,
E as tuas pernas outrora fortes se curvarem,
E os moedores da tua boca cessarem de moer, por já serem poucos,
E os teus olhos, janelas da tua casa se cerrarem,
E os teus lábios se fecharem: o dia em que não puderes falar em voz alta,
E te levantares ao canto das aves, e não mais ouvires o som da música.
Quando tiveres medo do que é alto,
E te espantares no caminho,
E o teu cabelo ficar branco,
E um simples gafanhoto for muito peso para tuas forças,
E não tiveres mais fome.
Porque vais para a casa eterna
E os pranteadores já estão andando pela praça.
Antes que se rompa o fio de prata,
E se despedace o copo de ouro,
E se quebre o cântaro junto à fonte,
E o pó volte à terra
E o sopro da vida volte a Deus, que o soprou.
Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho. Em todo tempo sejam brancas as tuas roupas e jamais falte óleo na tua cabeça. Goza a vida com quem tu que amas todos os dias da tua vida que logo passa, como passam as brumas e as espumas...”

Ditas essas palavras o Poeta parou, pôs-se a olhar as montanhas que se viam ao longe – tantas vezes ele trilhara os seus caminhos - feliz e cansado com sua longa vida, sorriu, tomou a taça de vinho vermelho e disse: “Bebamos juntos! Como a vida é boa! Eu gostaria de viver 1.000 anos”...
Ditas essas palavras ele fechou os olhos, começou a cantarolar baixinho uma cantiga que sua mãe lhe cantava para dormir. Sua mão se abriu, a taça de cristal caiu e se quebrou numa infinidade de cacos..
* * *
Enterraram o Poeta no alto de uma colina de onde se viam as montanhas no horizonte distante. Ao lado de sua sepultura plantaram uma árvore. Dizem que ainda não parou de crescer. Amarraram balanços nos seus galhos fortes e as crianças e os adultos se divertem brincando de tocar as nuvens com a ponta dos pés. Escreveram-lhe como epitáfio as palavras do poeta Robert Frost: “Ele teve um caso de amor com a vida.”

Um comentário:

maro disse...

Bom dia.

Gostei e achei muito verdadeiro.

bjs