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sábado, 7 de março de 2009

RELAÇÃO PERIGOSA

Angélica Kenes Nicoletti
Diário do Grande ABC


Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o psiquiatra Jair Franklin Oliveira Júnior é uma das maiores referências nacionais sobre terapia em grupo e terapias de casal e família, atividades às quais se dedica há 31 anos. A seguir, algumas das reflexões do especialista.

DIÁRIO - Dá para traçar como será a família no futuro?

JAIR FRANKLIN - Filho é um fruto da união do pai com a mãe e embora as famílias estejam encolhendo por questões econômicas, elas continuam sendo a fonte de suporte emocional e vão perdurar por toda a existência da humanidade. Pessoas sem família tendem à depressão, pois somos animais gregários. Não somos uma ilha, precisamos de calor humano.
DIÁRIO - Qual é o papel dos pais?
FRANKLIN - O pai tem a função de transmitir a cultura, valores morais e éticos. A mãe dá segurança. O cuidado diário que o bebê recebe da mãe, como ser amamentado, gera sentimentos de confiança e de bondade. Crianças são como uma folha branca: abandono e cuidado ficam registrados.
DIÁRIO - Quais são as queixas mais recorrentes no consultório?
FRANKLIN - Problemas de relacionamento entre pais e filhos estão se prolongando. Um conflito recorrente é o adiamento da saída dos filhos de casa: os pais procuram adiar a situação para não se verem obrigados a recomeçar a vida sem os filhos e estes se acomodam à situação. É um conluio perverso.
DIÁRIO - De fato, houve o aumento de tempo de permanência dos filhos na casa dos pais.
FRANKLIN - Na linha casuística, observo que houve um aumento na última década, até porque a vida ficou mais difícil. Para enfrentar o mercado de trabalho, os jovens cursam mestrado e doutorado, o que faz com que mantenham a condição de estudante até por volta dos 30 anos. Eu sou do tempo em que as pessoas com diplomas universitários ingressavam no mercado de trabalho aos 20 e poucos anos. Em seguida, deixavam a casa dos pais para formar a própria família.
DIÁRIO - Mas a dependência nesse caso não é gerada por um fator exclusivamente econômico?
FRANKLIN - De qualquer forma, a adequação impede a individualização, gerando uma relação doentia. Tanto é que quando os filhos vão embora, a questão fica tão dolorida emocionalmente que muitos pais entram em depressão e em conflito entre si, chegando a se divorciar. É uma situação que poderia ser revertida positivamente, mas que é transformada em um problema porque a maioria das pessoas está presa ao passado.
DIÁRIO - Há algum outro motivo de crise?
FRANKLIN - Considero como grave quando os pais manipuladores tendem a ver os filhos como prolongamento deles. Caso clássico é o do filho que segue carreira por imposição da família e se torna infeliz por não fazer o que queria ao mesmo tempo em que vive com um forte sentimento de culpa por temer desagradar os pais.
DIÁRIO - Ele vira uma fonte de realizações da família?
FRANKLIN - Sem dúvida. Ele não é visto como sujeito, mas como um objeto de realização. É uma postura doentia. É necessário que alguém mostre para pai e filho o que está acontecendo porque a situação é pólvora pura.
DIÁRIO - Como define pais sadios?
FRANKLIN - São os que com o passar do tempo se tornam desnecessários. Eles não ficam magoados, deprimidos porque o filho se torna independente. Se conseguiram se tornar desnecessários é porque foram bons pais.
DIÁRIO - E o que o sr. diz para pais de adolescentes que têm dificuldade de lidar com questionamentos?
FRANKLIN - Primeiro, na adolescência os filhos desenvolvem a própria identidade. É saudável que se distanciem dos pais, que deixam de ser heróis para se transformar em vilões. Fica difícil para o adolescente perceber que o pai também tem virtudes; isso só ocorre no começo da vida adulta. Outro aspecto é que os tempos são outros e pressupõem espaço para discordância de ideias.
DIÁRIO - E quando não há esse espaço?
FRANKLIN - Pais com posturas ditatoriais tendem a esbarrar em filhos rebeldes. Exemplos são os casos de adolescentes grávidas aos 14 e 15 anos. É uma forma não-verbal de dizer aos pais que são elas que mandam em seus corpos, que podem ter relações sexuais.
DIÁRIO - Sempre haverá o conflito entre gerações?
FRANKLIN - É natural haver dificuldades de entendimento, por isso o debate capacita ambos os lados a lidarem com conflitos. As gerações mais velhas precisam entender que o motor da vida está nas mãos dos mais novos. São eles que fazem o mundo girar. É a lei da evolução.

Fontes: Site FCM / Diário do Grande ABC

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