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sábado, 19 de dezembro de 2009

ADVENTO: COMEÇO, CHEGADA, APARECIMENTO...









O tempo, para alguns, é uma continua sucessão de momentos e instantes. Repetidos e somados, resultam em porções maiores de uma linha que constantemente se desenrola em segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios...
E a eternidade seria a sucessão destes instantes ampliada ao infinito.
Nós, cristãos, temos uma outra compreensão do tempo: vemos os instantes e momentos à luz da urgência de um encontro! O tempo é um espaço onde nos defrontamos com alguém; o local onde reconhecemos alianças; o lugar onde confirmamos parcerias, o palco onde contracenamos com a vida...
E aquela linha delgada estendida no sempre, ganha as formas do corpo grávido, em constante transformação, atravessado por uma espera... E apostamos que todo o universo participa desta gestação, gemendo (alegremente) as dores do parto: o agora ganha a intensidade do eterno e o amanhã se revela infinito de possibilidades... Nada será como antes!
A liturgia nos ajuda a expressar estas nossas mais profundas convicções de fé: gestos e palavras, sinais e símbolos que anunciam sentidos e sensações, desejos e decisões! Por isso nos vestimos de cores e saboreamos canções, buscando em tudo a harmonia com a nossa esperança...

Advento é começo: não mereço, mas amanheço virando o mundo do avesso!

Sim, o início começa no fim! Pois, quando todos preparam avaliações, formaturas e conclusões, a comunidade cristã insiste no convite de um novo começar! E revestindo-se de roxo ou lilás, despoja-se de tudo o que não é essencial, reúne-se em torno do sereno e compassado acender de velas numa coroa, abstém-se de entoar o Glória, meditando sonhos e figuras embebidos de futuro! Assim conhecemos o outro lado das coisas, assumindo o clamor dos que sempre esperam...
Não pensem que estas atitudes traduzam certo abatimento ou comiseração... nunca! Elas manifestam nossos mais profundos desejos! Temos fome e sede de Deus, mas em Jesus, Deus se nutre e sacia de humanidade. Cremos que uma criança é a revelação do divino no humano, a realização do terrestre no celeste! Esta unidade aparece na simplicidade do roxo e do lilás, cores derivadas do encontro do azul e do vermelho.

Advento é aparecimento: evento como vento, traz contentamento!

Alegria que nasce da contemplação deste sugestivo enlace de opostos: quando associamos o azul ao frio, à água, ao céu, ao infinito; relacionamos, por sua vez, o vermelho com o calor, o fogo, a terra, o passageiro,... Sendo que em ambos percebemos movimento, expansão, força, união! Da brisa suave que a tudo envolve e penetra à tênue chama que na fragilidade revela, aquece e ilumina!
Como a tímida e fascinante alvorada, o sempre novo romper de cada dia: nascer, vir à luz. Convém trazer à memória que Advento precede o Natal, que por sua vez foi precedido pela Páscoa, na história do cristianismo. Até o século VI não era prática comum a celebração de 24 de dezembro, tudo estava centrado na Festa da Páscoa, em sua preparação (que mais tarde se tornou a quaresma) e na sua memória semanal (o Domingo).
Entre as Igrejas do Oriente, nesta época, começou a festividade da Epifania, que no ocidente conhecemos como a solenidade dos Reis Magos: manifestação de Deus à humanidade toda. Precisamos recuperar hoje a profunda relação entre Natal e Páscoa: a encarnação é a Páscoa do Senhor que assume a condição humana, a ressurreição é a Páscoa do (Filho do) Homem que abraça a plenitude da doação divina!
“Alegrem-se o deserto e a terra seca, o campo floresça de alegria; como o narciso, cubra-se de flores transbordando de contentamento e alegria, pois lhe será dado ver... a beleza do nosso Deus.” (Isaías 35,1-3) Esta formosura divina, tão discreta e silenciosa, é acolhedora como a escuridão da noite e aberta como o vazio de um ventre... Deus é liberdade, Cristo é uma imensa árvore que se manifesta sem copa e sem tronco... Só o ardente perfil despojado de tudo, vazado, capaz de conter tudo, todos! Feito criança, crescendo no ventre, dança escondido aguardando o momento de se revelar! (cf. Hélio Pellegrino, Meditações de Natal)


Advento é chegada, na beira da estrada, surpresa ampliada...
“A noite abre as flores em silêncio e deixa que o dia receba os agradecimentos... E a terra, insultada, vinga-se dando-se flores.” (Tagore) Assim, aqui e ali florescem as acácias e os flamboyants... Estamos no final da primavera! Estas árvores anunciam a chegada do verão. Exuberantes, desfilam cores e perfumes, convidando-nos para acolher o novo tempo que virá! Verão: reino da luminosidade, dos dias longos, das chuvas refrescantes das roupas leves e hábitos livres... Verão: convite ao pleno exercício da vida na beleza dos corpos, no descanso das férias, no sabor das frutas, no deleite dos dias!... “Levante-se, minha amada, formosa minha, venha a mim! Veja: o inverno já passou! Olhe: a chuva já se foi! As flores florescem na terra, o tempo da poda vem vindo, e o canto da rola já se ouve em nosso campo. Despontam figos na figueira e a vinha florida exala perfume. Levante-se, minha amada, formosa minha, venha a mim!” (Cântico dos Cânticos 2,10-13)
Temos ainda outros convites: trocar as vestes, deslocar os interesses, arrumar as estradas... Saborear a gestação! “Despe a veste de luto e de aflição e reveste, para sempre, os adornos da glória vinda de Deus. Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e pões na cabeça o diadema da glória do Eterno...” (Baruc 5,1-2) “Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria” (Salmo 126,5). Deus presenteia (João), Ele se recorda (Zacarias), vem para salvar (Isaías) e é a salvação (Jesus) que todos verão (cf. Lucas 3,6)! Mesmo diante de uma dominação de tantos nomes: Tibério, Pilatos, Herodes, Filipe, Lysâneas, Anás e Caifás... Preenchendo os vales (pobres), rebaixando os montes (elites), aprumando o tortuoso (impérios) e aplainando as escarpas (presunções)!
Então, perceberemos que as trevas são ambiente propício à gestação, as cavernas escuras guardam preciosos minérios, o negro vazio do firmamento abriga milhões de galáxias, o escuro é aconchego para a carícia dos amantes, o silêncio do útero prepara uma nova vida! Necessitamos da noite para superar a constante sedução pela superfície das coisas, que nos tende a cegar diante da densidade e dos profundos horizontes do humano existir!
No avesso das coisas, no contentamento da brisa e na ampliada surpresa cantamos “vem, Senhor Jesus, vem!” De fato, Ele não tem propriamente de vir porque nunca nos deixou! Já está no meio de nós. A imagem de uma nova vinda expressa que a sua presença se manifestará plenamente e nós iremos a ele, para que Deus seja tudo em todos.
Paulinho,
no segundo domingo do advento de dois mil e nove.

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