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Dona Guilhermina, já velhinha, ficou sofrendo de uma forma graciosa do mal de Alzheimer. Passou a viver num mundo de fadas encantado: era possuidora de uma infinidade de castelos espalhados por todo o mundo. Generosa, não permitia que ninguém saísse de sua casa sem ganhar um magnífico castelo de presente. Possuía castelos na Tailândia, na China, na Itália, na Rússia. Ela me agraciou com um castelo na Escócia.
Infelizmente, ainda não chegou o meu tempo de visitá-lo. Mas sei que está lá, à minha espera. É possível até que eu venha a me mudar para lá se um dia um mal de Alzheimer gracioso me tocar. Receberei então dona Guilhermina como hóspede, ela ficará nos aposentos de honra do castelo e passaremos longas tardes diante da lareira conversando sobre os bons tempos de antigamente enquanto, para espanto dos garçons escoceses, tomamos café com pão de queijo mineiro... Eu disse “espanto” porque os escoceses não conhecem o pão de queijo mineiro...
Fico a pensar. Quem está dentro do corpo de uma pessoa depois que o mal de Alzheimer a toca? A dona Guilhermina não era a outra dona Guilhermina que servia bolinhos com café que nada sabia sobre castelos. Para onde foi essa dona Guilhermina? Tocada pelo mal de Alzheimer, ela se tornou possuidora de muitos castelos, castelos reais que dava de presente. A fronteira entre o país da fantasia e o país da realidade fica onde? O que é a realidade? Guimarães Rosa sabia e disse, mas não explicou: “Tudo é real porque tudo é inventado...”.
Rubem Alves. O sapo que queria ser príncipe [adolescência e juventude]. Ed. Planeta, 2009, pp. 172-173.
Enviado pelo amigo Egberto Turato
terça-feira, 10 de março de 2009
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2 comentários:
Que delicadeza de artigo, Vera. E segundo Cecília Meirelles, 'a vida... a vida só é possível reinventada'.
Um beijinho - NÔ
Rubem Alves como sempre nos presenteando com belos artigos.Respondo a 2 questões que ele faz:
1-A fronteira entre o país da fantasia e o país da realidade é estabelicido pela consciencia de cada um...
2-Realidade é o que considero REAL...
Sílvia
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