Quem diria: se distrair pode ser a melhor maneira de resolver um problema difícil de forma criativa.
"Distração" costumava ter uma conotação negativa em estudos médicos; por
exemplo, pesquisas que mostram o maior risco de causar um acidente de
carro ao se distrair falando ao celular.
Em "House", soluções para os casos mais cabeludos surgem quando médico Gregory House (Hugh Laurie) se distrai |
Mas trabalhos recentes têm demonstrado que a distração está vinculada à
criatividade, especialmente na hora de resolver problemas complexos.
Só que até certo ponto: em excesso, distração combina com esquizofrenia
-um distúrbio psíquico que pode incluir alucinações, delírios e fuga da
realidade. Como a distração ajuda a ser criativo e produzir soluções? Para muita
gente, a prática de "dar um tempo", "fazer uma pausa no trabalho",
costuma fazer a resposta para um problema surgir de repente, como
mágica.
É só assistir ao seriado "House"
(Universal) para entender como funciona. O médico Gregory House e sua
equipe são escalados para diagnosticar e tratar apenas os casos mais
cabeludos.
O enredo tem uma fórmula básica. Eles passam três quartos do programa
raciocinando logicamente sobre sintomas, tratamentos e causas de
doenças. Mas só no fim do episódio, quando House se distrai ou tem a
atenção chamada para algo bizarro, que uma resposta "clica" no seu
cérebro.
EVOLUÇÃO
Ignorar estímulos irrelevantes ao nosso redor é uma conquista da
evolução biológica. Um animal que presta atenção a tudo e caminha pelos
prados distraído acaba não percebendo o predador até que seja tarde
demais. Essa capacidade de abstrair o ruído inútil é chamada de inibição
latente. Esquizofrênicos têm inibição latente muito reduzida; prestam atenção a
tudo, e por isso, paradoxalmente, fogem da realidade. Mas esse traço
também caracteriza pessoas saudáveis e altamente criativas.
Um estudo feito pela equipe de Fredrik Ullén, do Instituto Karolinska,
da Suécia, publicado na revista científica "PLoS One", apontou que os
cérebros dos esquizofrênicos e o dos
criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina. Produzida em várias partes do cérebro, a dopamina tem funções na transmissão do impulso elétrico entre as células nervosas, notadamente na cognição, motivação e nos mecanismos de punição e recompensa.
criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina. Produzida em várias partes do cérebro, a dopamina tem funções na transmissão do impulso elétrico entre as células nervosas, notadamente na cognição, motivação e nos mecanismos de punição e recompensa.
"A teoria da dopamina e esquizofrenia vê o distúrbio como uma forma
extrema de criatividade", diz Adam Galinsky, da Escola Kellogg de
Administração da Universidade Northwestern, EUA.
O pesquisador explica que a dopamina tende a alterar processos
cognitivos, de modo que as associações são mais soltas e as categorias
conceituais são ampliadas. "Isso pode facilitar a criatividade, mas
também levar a padrões de pensamento desorganizados e anomalias de
percepção."
Galinsky e colegas fizeram testes de associação com 94 voluntários que
tinham que identificar uma quarta palavra vinculada a três outras.
Alguns passavam por distrações, outros não. Os distraídos identificaram
sequências de letras como palavras válidas mais rápido. O estudo foi publicado na revista "Psychological Science" e afirma que o
processo de solução de problemas inclui tanto a distração quanto um
período de pensamento consciente, sem o qual o problema não tem como ser
racionalmente resolvido.
RADAR
Estudos feitos com universitários nos EUA e no Canadá pela equipe de
Shelley H. Carson, do Departamento de Psicologia de Harvard, mostraram
que aqueles que se distraem facilmente, com o "radar ligado" para tudo
em torno, são mais criativos: os mais criativos tinham sete vezes menos
inibição latente. O estudo original, publicado em 2003, foi replicado depois. "Dois outros
laboratórios testaram a baixa inibição latente e descobriam que está
associada com criatividade. Nós também estamos continuando os testes",
afirma Carson.
"Há um corpo substancial de pesquisa que indica que a esquizofrenia está
associada com inibição latente baixa e também com deficits na memória
de trabalho", continua o pesquisador.
Para Carson, comentando o estudo de Galinsky, a pessoa criativa é capaz
de permitir, temporariamente, que o excesso de distrações seja
canalizado em percepção consciente, para fazer conexões entre os
estímulos.
"Mas a pessoa tem a capacidade de alternar entre estados do cérebro para
exercitar maior controle cognitivo e realmente formular e acessar essas
conexões", afirma o pesquisador.
Folha UOL
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