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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

RUBEM ALVES: ¨Eu e o Amyr Klink¨


São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

Hoje estou muito contente. Ontem fiquei conhecendo o Amyr Klink, cuja coragem de navegador provoca a minha admiração. Mas não foi isso que me alegrou. Fiquei alegre porque ele, sem saber, entrou em um livrinho que escrevi cujo objetivo era fazer as crianças pensarem.
A idéia do livrinho estava me coçando a cabeça fazia alguns anos. Foi assim que aconteceu.
Perguntei-me: Por que é que as crianças têm dificuldade em aprender as coisas que lhes são ensinadas nas escolas, seguindo os programas oficiais? Brunno Bettelheim, já velho, deu a resposta:
-"Na escola, os professores tentavam me ensinar as coisas que eles queriam ensinar, do jeito como eles queriam ensinar, mas que eu não queria aprender".
Para aprender há de querer aprender. Aristóteles inicia o seu "Metafísica" afirmando:
- "Todos os homens têm naturalmente o desejo de aprender".
Ele estava errado. Vou corrigi-lo:
- "Todos os homens, ENQUANTO crianças, têm naturalmente o desejo de aprender..."
As crianças são naturalmente curiosas. Querem aprender. Então, por que não aprendem?
A Maria Alice, psicopedagoga por vocação, me contou algo que uma menininha lhe disse:
- "O mundo é tão interessante. Há tanta coisa que eu gostaria de aprender. Mas não tenho tempo. Tenho muitas lições de casa para fazer..."
O que é que as crianças querem aprender? Ou, mais precisamente, o que é que o corpo deseja aprender?
Mas, antes dessa pergunta, vem uma outra:
- "Por que é que o corpo deseja aprender?"
Ele deseja aprender para se virar no mundo. Ele quer conhecer coisas que fazem o seu mundo e afetam a sua vida.
Um indiozinho não teria o menor interesse em aprender a fazer iglus, mas tem o maior interesse em aprender o uso do arco e da flecha.
O programa de aprendizagem que desafia o corpo é o mundo que o circunda, que é o mundo em que ele vive, que é o mundo que lhe apresenta os desafios práticos da vida que ele está vivendo no presente.
Para entender isso, basta cortar uma cebola ao meio: ela é formada por uma série de anéis concêntricos. Bem no centro está o corpo. O seu primeiro desafio é o primeiro anel. O último anel não lhe provoca o menor interesse porque ele está muito longe da sua pele. Ele só se interessará pelo último anel quando chegar ao penúltimo.
Aí eu me perguntei:
- "Qual é o primeiro entorno da criança?"
Preste atenção nessa palavra "entorno". Ela significa aquilo que está "em torno", o espaço que pode nos dar vida ou matar.
O primeiro entorno da criança é a sua casa. Pensei então:
- "Não seria possível fazer um programa que tomasse a casa como seu objeto?¨ Começar a conhecer o mundo a partir da casa! É aqui que entra o Amyr Klink. Questionado por um repórter sobre a escola ideal para os seus filhos ele respondeu:
- "A escola que eu desejaria para os meus filhos é uma escola que há nas Ilhas Faroë, lugar onde viveram os vikings. Lá as crianças aprendem tudo o que devem aprender construindo uma casa..."
Escrevi então o livrinho "Vamos construir uma casa?".
Lá, as crianças vão lidar com as ciências que entram na construção de uma casa, a astronomia, a geometria, a física das ferramentas, a física dos materiais, o fogo, a química da cozinha, a água, o lixo e até mesmo o cocô! Quem diria que o cocô pode ser material pedagógico. Sobre isso eu escreverei depois.

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