segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
REFLEXÕES SOBRE A TRAGICOMEDIA DO NOSSO COTIDIANO
Tempos difíceis e esquisitos que vivemos atualmente. Notícias de corrupção, violência urbana, doméstica e institucional repetem-se ad nauseum através de nossos meios de comunicação levando-nos à saturação e, na maioria das vezes, à paranóia coletiva.
Morando em uma esquina, com ampla visibilidade da rua através dos janelões da minha sala, enquanto falava ao telefone e observava a rua, presenciei uma vizinha sendo assaltada por dois motoqueiros jovens e bem-vestidos que, sob ameaça de revolveres, levaram seu carro deixando-a perplexa, assustada e à pé em plena tarde de quinta feira. Fatos como esse já tornaram-se corriqueiros, expondo-nos a todos, de maneira inexorável, à essa tragédia contemporânea.
Porém, por estes dias tomei conhecimento de mais um tipo de assalto, inusitado, burlesco, e que dá uma idéia do que acontece nas ruas. O personagem desse acontecimento singular foi um cãozinho apelidado de Rick que, perdido ou abandonado pelos donos, apareceu perambulando pelas ruas do bairro e foi recolhido por uma caridosa vizinha que ama muito os animais.
Como ela já tinha outro cachorro, também recolhido das ruas, acolheu o dócil animal, providenciou uma casinha de madeira e deixou-o morar na calçada, ao lado do portão da garagem. Rick, feliz da vida, ficou de cão de guarda, tendo casa para morar, comida e água fresca todo dia. Foi vacinado, ganhou uma bonita coleira vermelha, além de roupas para aquecê-lo da friagem noturna.
No entanto, nestes tempos “bicudos” e violentos morar na rua não é fácil, não! E Rick foi assaltado! Indivíduos inescrupulosos bateram nele e levaram a coleira vermelha e os agasalhos que o aqueciam à noite. Só não levaram a casinha, mas quem sabe? Ele que se ponha em guarda, pois até isso podem levar! Tragicomédia?
Os gregos da antiguidade, com sua sabedoria, utilizavam a tragédia (acontecimentos funestos) e a comédia (onde predominavam a sátira e a graça) como catarse, purgação ou purificação de sentimentos de terror e de piedade. Esse efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança fortemente emocional e/ou traumática até então reprimida, proporcionava o alivio ou a purgação desses sentimentos. Apos essa purificação emocional, eles iam refletir em seus lares, nos jardins ou à beira-mar sobre essa experiência vivida no teatro da polis, buscando amadurecer como cidadãos.
E em nossa sociedade contemporânea, palco permanente de tragédias ininterruptas? Aonde essa experiência emocional vivida no cotidiano de nossas cidades nos leva? À reflexão e conscientização de nossa cidadania com seus direitos e deveres ou à letargia do acomodamento, do “não tenho nada com isso?”
Meu antigo professor de grego ensinava que os jovens atenienses, antes de participar à noite dos simpósios com os mestres (Platão? Sócrates? Aristóteles?) recebiam ordens de ficar à beira-mar enrolando a barra da túnica num “ócio criador”, preparando a mente para os ensinamentos que iam ouvir. E nós, o que fazemos hoje com nossos momentos de ócio, de lazer? Sentamos à frente da TV e nos deixamos entupir de sons, notícias mal formuladas, tragédias, comédias... onde até pode ocorrer a catarse, mas com certeza não a reflexão aprofundada do que estamos vendo e ouvindo. Nem chega a dar tempo!
Talvez estejamos mesmo é precisando de mais ócio criador para diminuir a violência e desenvolver a cidadania. Quem sabe? De qualquer forma, as sábias palavras de Leonardo da Vinci merecem ser lembradas:
"Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo dos animais, e nesse dia, um crime contra um animal será um crime contra a humanidade."
Vera Chvatal
Foto Vera; Pitanga, Labradora recolhida das ruas
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