- Thomas L. Friedman
Com tantos protestos
sociais espontâneos irrompendo por toda parte, desde a Tunísia até Tel Aviv e
Wall Street, é evidente que existe algo ocorrendo globalmente que necessita de
definição. Estão em circulação duas teorias unificadoras que me intrigam. Uma
delas diz que isso é o início da “Grande Ruptura”. A outra afirma que tudo o
que está ocorrendo faz parte da “Grande Mudança”. Você decide.
Paul Gilding,
ambientalista australiano e autor do livro “The Great Disruption” (“A Grande
Ruptura), argumenta que essas manifestações se constituem em um sinal de que o
atual sistema capitalista obcecado com o crescimento está atingindo os seus
limites financeiros e ecológicos. “Eu vejo o mundo como um sistema integrado,
de forma que não enxergo esses protestos, a crise da dívida, a desigualdade, a economia
ou a mudança climática de forma isolada. O nosso sistema está passando por um
processo doloroso de ruptura”, afirma Gilding. E é isso o que ele quer dizer
com o termo Great Disruption.
“O nosso sistema de
crescimento econômico, de democracia inefetiva, de sobrecarga do planeta Terra
– o nosso sistema – está devorando a si próprio vivo. O movimento Occupy Wall
Street (Ocupar Wall Street) é como aquela criança da história dizendo aquilo
que todos sabem, mas têm medo de dizer: o imperador está nu. O sistema está
falido. Pensem sobre a promessa do capitalismo global de mercado. Se deixarmos
o sistema funcionar, se permitirmos os ricos ficarem mais ricos, se deixarmos
que as corporações se concentrem nos lucros e que a poluição continue ocorrendo
sem taxação e contestação, todos teremos uma vida melhor. Pode ser que a
riqueza não seja igualmente distribuída, mas os pobres ficarão menos pobres,
aqueles que trabalharem mais arduamente conseguirão empregos, os que estudarem
mais obterão empregos melhores e nós contaremos com riqueza suficiente para
consertar o meio ambiente.
“Mas o que estamos
presenciando agora – de forma mais extrema nos Estados Unidos, mas basicamente
no mundo inteiro – é a maior de todas as quebras de promessas”, acrescenta
Gilding. “Sim, os ricos estão ficando mais ricos e as corporações estão
lucrando – e os executivos delas são regiamente recompensados. Mas, enquanto
isso, a situação do povo está piorando – a população está se afogando em
dívidas referentes à casa própria ou à educação –; muita gente que trabalhou
duro está desempregada; muitos que estudaram bastante não conseguem obter um
bom emprego; o meio ambiente está sendo cada vez mais danificado; e as pessoas
estão percebendo que os seus filhos ver-se-ão em uma situação ainda mais difícil
do que os pais”.
“Esta onda particular de
protestos poderá crescer ou não, mas o que não desaparecerá é a ampla coalizão
daqueles indivíduos para os quais o sistema mentiu e que agora acordaram. Não
são apenas os ambientalistas, os pobres, ou os desempregados. É a maioria das
pessoas, incluindo aquelas da classe média com alto nível educacional, que
estão sentindo na pele os resultados de um sistema que fez com que todo o
crescimento econômico registrado nas últimas três décadas fosse parar no bolso
da parcela de 1% da população que ocupa o topo da pirâmide de distribuição da
riqueza”.
Mas John Hagel III,
vice-diretor da instituição Center for the Edge, em Deloitte, e John Seely
Brown veem as coisas de forma um pouco diferente. No seu livro recente, “The
Power of Pull” (algo como, “O Poder da Retirada”), eles sugerem que nós estamos
nos estágios iniciais de uma “Grande Mudança”, precipitada pela fusão da
globalização com a Revolução das Tecnologias de Informação. Nos estágios
iniciais, nós experimentamos essa Grande Mudança como uma pressão que se
acumula, deteriorando o desempenho e provocando um aumento de estresse porque
nós continuamos a operar com instituições e práticas que são cada vez menos
funcionais – de maneira que o surgimento de movimentos de protesto não é
nenhuma surpresa.
No entanto, a Grande
Mudança desencadeia também um enorme fluxo global de ideias, inovações, novas
possibilidades de colaboração e novas oportunidades de mercado. Esse fluxo está
ficando cada vez mais intenso e rápido. Eles argumentam que, atualmente, a
exploração do fluxo global se tornou um fator fundamental para a produtividade,
o crescimento e a prosperidade. Mas, para explorar esse fluxo de maneira
efetiva, todo país, toda companhia e todo indivíduo precisa aumentar
constantemente os seus talentos.
“Nós estamos vivendo em
um mundo no qual o fluxo prevalecerá e derrubará todos os obstáculos à sua
frente”, afirma Hagel. “À medida que o fluxo ganha impulso, ele destrói as
preciosas reservas de conhecimento que antigamente nos proporcionavam segurança
e riqueza. Ele nos conclama a aprender mais rapidamente com trabalho conjunto e
a retirar de nós próprios uma quantidade maior do nosso verdadeiro potencial,
de maneira tanto individual quanto coletiva. Isso é algo que nos entusiasma com
as possibilidades que só podem ser concretizadas com a participação em uma gama
mais ampla de fluxos. Essa é a essência da Grande Mudança”.
Sim, as corporações
contam atualmente com acesso a softwares, robôs, automação, mão-de-obra e
talento intelectual mais baratos do que nunca. Portanto, a obtenção de um
emprego exige mais talento. Mas a contrapartida disso é que indivíduos em
qualquer lugar do mundo podem acessar o fluxo para fazer cursos online da
Universidade Stanford mesmo se estiverem em uma vila na África, a fim de
criarem uma companhia com clientes espalhados por toda parte ou para
colaborarem com pessoas também dispersas pelo mundo. Nós estamos com mais
problemas do que nunca, mas também com mais instrumentos para solução de
problemas do que nunca.
Portanto, temos diante de
nós duas narrativas. Uma focada na ameaça, a outra na oportunidade, mas ambas
envolvendo mudanças colossais. Gilding é, no fundo, um
otimista. Ele acredita que, embora a Grande Ruptura seja inevitável, a
humanidade funciona melhor em épocas de crise, e, assim que esta chegar com
toda força, nós estaremos à altura do desafio e criaremos uma mudança econômica
e social de potencial transformador (utilizando as ferramentas da Grande
Mudança).
Hagel é também um
otimista. Ele sabe que a Grande Ruptura pode estar pairando sobre nós, mas
acredita que a Grande Mudança criou também um mundo no qual uma quantidade
maior de pessoas dispõem das ferramentas, dos talentos e do potencial para
superar essa crise.
O meu coração está com
Hagel, mas a minha cabeça diz que seria arriscado ignorar Gilding.
Você decide.
Tradução: UOL
Thomas L. Friedman
Colunista de assuntos internacionais do New York Times desde 1995,
Friedman já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo
Um comentário:
Muito oportuna sua postagem, Ver@! A meu ver estamos vivendo um momento que espero seja 'unforgetable', como quando os estudantes tomaram as ruas de Paris e dp do mundo todo, em 1968. De Gaulle ficou de 'queixo caido'.
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